terça-feira, 27 de agosto de 2013

Entrevista a Alberto S. Santos

Diz ser um escritor que privilegia o contacto com os leitores e diz sentir um «dever de divulgar o gosto pela leitura e pela língua portuguesa». Alberto S. Santos é advogado e político, e há mais de dez anos Presidente da Câmara Municipal de Penafiel. É escritor deste 2008, ano em que estreou-se com a obra A Escrava de Córdova, um romance histórico, tal como os dois livros que a Porto Editora publicou em 2010 (A Profecia de Istambul) e 2013 (O Segredo de Compostela). Neste último, o autor propõe uma outra visão da história das peregrinações a Compostela, defendendo que o túmulo que está na catedral compostelana não é o do Apóstolo Santiago, mas o de um homem que foi rejeitado pela própria igreja, e um homem que terá «vivido com ideias muito avançadas para a sua época», segundo conta-nos Alberto S. Santos nesta entrevista que concedeu para este blogue.
Texto: Miguel Pestana
Fotos: Cedidas pelo autor
.......................................................................................................................................................................................................................




Servindo-se de cinco adjetivos, defina quem é Alberto S. Santos.
Determinado, leal, inquieto, otimista.

O Segredo de Compostela, nas livrarias desde o dia 22 de Maio, acaba de entrar na 2ª edição. Qual o feedback que tem recebido dos seus leitores?
Muito positivo, quer dos leitores que leram pela primeira vez um livro da minha autoria, quer dos que já leram A Escrava de Córdova e ou A Profecia de Istambul.

O protagonista de O Segredo de Compostela é Prisciliano. Quem foi esse homem?
Prisciliano foi um homem que viveu intensamente as alterações da sociedade romana em final de civilização, coincidente com a cristianização do Império (segunda metade do séc. IV). Terá nascido pagão, numa rica família da aristocracia romana, mas sentiu um apelo pelas inquietações místico-filosóficas do tempo, que o levaram a converter-se à mensagem cristã e ao ascetismo. A forma como viveu a experiência religiosa transformou o seu pensamento num poderoso movimento reformador na Hispânia, a Península Ibérica da época. A determinação das suas convicções levou os poderes instalados (Igreja institucional e Estado) e perseguirem-no até à morte, enquanto o povo o considerou santo e mártir.

Muito pouco se conhece sobre a vida e obra de Prisciliano. Será que é por ele ter sido uma das primeiras vítimas da Igreja Católica?
Sim, como referi atrás, a condenação à morte do bispo Prisciliano, na sequência das maquinações dos bispos que o odiavam, com certeza que envergonhou a Igreja de tais atos. De qualquer forma, depois da passagem à clandestinidade de muitos dos seus seguidores e da abjuração obrigada de outros, a sua doutrina parece que começou a ser deturpada e motivou que o chamado “priscilianismo” fosse perseguido em vários concílios vários séculos depois da vida de Prisciliano, com vista à sua erradicação e esquecimento.

Prisciliano era a favor do direito das mulheres e contra a escravatura, isto no séc. IV. Foi um homem muito avançado para o tempo em que viveu…
Sim, do que se conhece do seu pensamento e do que foi escrito sobre ele, terá vivido com ideias muito avançadas para a sua época – a igualdade das mulheres, a igualdade entre os homens (fim da escravidão), a busca da natureza para contactar com a transcendência, o fim da opulência de alguns bispos. Por tudo isso, foi perseguido pela Igreja oficial e pelo Estado romano, que o consideraram herege e o transformaram na primeira vítima cristã por delito de opinião, depois de o cristianismo se transformar na religião oficial do Império. Como Prisciliano era bispo, o caso foi sendo abafado durante muitos séculos, até que surgiram recentemente escritos do próprio e dos seus seguidores que evidenciam que não se tratou de um herege, mas de alguém que pensava avant la lettre.

A história de Prisciliano e do apóstolo Santiago cruzam-se neste seu romance.
Sim, a apesar de terem vivido com quatro séculos de diferença, a Finisterra (e a atual Compostela) podem ser a chave para deslindar o mistério que atravessa os séculos, o de saber como foi possível descobrir o alegado túmulo de um apóstolo (uma das mais importantes figuras do Cristianismo) oito séculos depois de ele ter vivido e num lugar tão distante de onde foi enterrado (Jerusalém). A lenda compostelana (da trasladação do corpo do Apóstolo Tiago numa barca de pedra puxada por anjos desde Jerusalém até às praias galegas), que nasce nessa época, poderá cruzar-se com a memória que pairava no subconsciente coletivo do povo, sobre um bispo santo e mártir (Prisciliano), grande predicador, que morreu decapitado nos confins do Império, e cujo corpo foi transportado pelos amigos para ser enterrado na sua Galécia natal (que são os factos reais e documentados).

Notei um primoroso trabalho de pesquisa sobre a geografia e figuras emblemáticas que viveram no séc. IV. A bibliografia que consultou foi extensa?
Sim, necessariamente. Foi imprescindível conhecer os escritos de Prisciliano e dos seus seguidores, as atas dos concílios que o perseguiram, os livros da época que narraram os acontecimentos, os escritos dos seus detratores, os livros que explicavam o quotidiano, os costumes, a História do Império Romano e do Cristianismo, especialmente na Península Ibérica, estudos arqueológicos e académicos, estudos de inúmeros autores sobre Prisciliano, textos sobre o fenómeno de Compostela e a lenda de Santiago, entre muitos outros temas.

Texto opinativo sobre o livro

Quanto tempo levou a escrever O Segredo de Compostela?
Cerca de um ano e meio. Mas a ideia e a investigação inquietam-me há, pelo menos, seis ou sete anos.

O seu primeiro romance, A Escrava de Córdova, já foi publicado em Espanha. Acha que geraria muita controvérsia se o seu novo livro seguisse o mesmo caminho?
Não sei. Acho que os romancistas têm uma possibilidade mais alargada de apresentarem as suas visões sobre a História. Contudo, alguns reputados historiadores admitem a possibilidade de ser Prisciliano a estar sepultado em Compostela, ou pelo menos de ser a sua memória que paira por aquelas terras galegas.

É um autor que aquando da publicação de uma obra descola-se a vários pontos do país, para apresentações e promoções da mesma. Essas “peregrinações” são essenciais para estabelecer contacto com os leitores ou são “ossos do ofício”?
Faço-o com prazer e espírito de missão. Como autor, gosto de contactar com os leitores, mas sinto igual dever de divulgar o gosto pela leitura e pela língua portuguesa, especialmente nas escolas.

Como surgiu a ideia de escrever o seu primeiro livro, A Escrava de Córdova, atualmente na sua 6ª edição?
Surgiu na sequência do aparecimento de um candil (lucerna) árabe na zona onde vivo (Penafiel), que me levou a investigar sobre a presença dessa civilização na Península Ibérica. Fiquei fascinado com esse tempo que marca o Portugal primordial.

E sobre A Profecia de Istambul, que tema envolveu nesse romance?
Depois, quis seguir o rasto dos portugueses e espanhóis que viveram a aventura mediterrânica do séc. XVI, logo após a saída dos povos muçulmanos. Fascinou-me a temática dos cativos, renegados e dos judeus sefarditas que fugiram da fogueira da Inquisição até Istambul e Salónica, para onde levaram a nossa cultura, costumes e tradições.

Os seus dois primeiros livros já venderam mais de 50 mil exemplares em Portugal. Qual o segredo?
Não sei, não estava à espera. Talvez a forma como procuro entretecer a narrativa adequando a ficção com os factos históricos, assim como os temas escolhidos (normalmente pouco conhecidos pelo público leitor).

Algum dia podemos esperar um livro de Alberto S. Santos que não seja um romance histórico?
Ainda não sei. Mas gostava de experimentar outras praias.

Desde 2001 que é Presidente da Câmara Municipal de Penafiel, tendo sido reeleito por duas vezes, sendo este o seu último ano de mandato. Auspicia num futuro próximo abraçar a profissão de escritor, exclusivamente?
Não me parece viável. Ganhar a vida a escrever num país pequeno como o nosso ainda é para poucos.

Os penafidelenses são o grupo de leitores que mais lê os seus livros?
São com certeza dos leitores mais fiéis e entusiastas. Receei que isso pudesse não acontecer, mas fico muito feliz quando me abordam nas situações mais imprevistas, não para falarem dos problemas da terra, mas das personagens dos meus livros.

Qual o último livro que leu? Pode transcrever a frase de abertura desse livro?
O Mercador de Livros Malditos, de Simoni Marcello.

“Quarta-feira de cinzas do ano do Senhor de 1205.
Rajadas de vento gélido fustigavam a abadia de San Michele de la Chiusa, insinuando, entre as suas paredes, um cheiro a resina e folhas secas, e anunciando a chegada de uma tempestade.
As cerimónias das vésperas ainda não tinham terminado, quando o padre Vivien de Narbonne decidiu sair do mosteiro. Irritado com as efusões de incenso e o crepitar das vela, atravessou a porta da entrada e deu uns passos pelo pátio coberto de neve. Diante dos seus olhos, o crepúsculo exalava os últimos suspiros da luz diurna. Uma inesperada rajada de vento atingiu-o, provocando-lhe um arrepio.”

Já tem alguma ideia para um próximo livro?
Tenho algumas personagens a baterem à porta para entrarem nos próximos livros, mas ainda estou a discutir com elas a que época da História irão parar.


Nota: A entrevista foi realizada via e-mail.

5 comentários:

Helena disse...

Muito interessante. Mais um romance histórico para a minha lista.

Marcelo R. disse...

Já li A profecia de Istambul. É excelente para quem gosta de história.

Não tinha conhecimento de quem era Prisciliano... que engraçado.

macy disse...

Li A Escrava de Córdova e adorei... conheci o autor e asseguro-vos que é simpatico e duma humildade tocante. Gostei imenso dele!
Os outros livros ainda aguardam leitura mas acredito que gostarei tanto ou mais do que a Escrava!!!
Teresa Carvalho

André Silva disse...

Bom Presidente da Câmara e bom escritos também.

André Silva disse...

Bom Presidente da Câmara bom escritor também.