sexta-feira, 29 de maio de 2015

«O Bizarro Incidente do Tempo Roubado», de Rachel Joyce

Edição: Porto Editora
Data de Publicação: 15/05/2015
N.º de Páginas: 360

O mais recente romance da autora best-seller de A improvável jornada de Harold Fry (Maio 2014, Porto Editora), tem uma história que nos é contada via capítulos com tempos de acção diferentes e intercalados, 1972 e tempo presente, mas tendo o mesmo pano de fundo: Inglaterra. A trama que Rachel Joyce engendrou para este seu segundo livro tem contornos verídicos: desde 1972 são adicionados ao tempo segundos intercalares/bissextos (em inglês, leap second), que são necessários para manter os padrões sincronizados com os calendários civis — a título de curiosidade o último leap second teve a sua adição às 23:59:60 em 30 de Junho de 2012 e o próximo será às 23:59:60 de 30 de Dezembro de 2015; no total já foram adicionados ao tempo 25 segundos. Mas 1972 foi o único ano em que foram adicionados dois segundos ao tempo. Este é o ponto de partida e no qual gira toda a história de O Bizarro Incidente do Tempo Roubado.
Hemmings é o nome da família de Byron, um rapaz de onze anos que possui uma imaginação muito fértil. No dia e hora exatas em que são acrescentados pela primeira vez na História segundos ao tempo Diana, a sua mãe, atropela uma miúda sem, conscientemente, se dar conta e segue o seu caminho no seu Jaguar, nesse dia de nevoeiro intenso. Diana é uma mulher submissa e dependente, cujo marido trabalha muito e ausenta-se de casa durante a semana, para sustentar Craham House, a imponente mansão onde eles vivem, perto de uma charneca e de um lago. Manter as aparências e o seu estado emocional dilacerado é o único trabalho que esta mulher e mãe acarreta. Byron que testemunha o estranho incidente decide obsessivamente, com a ajuda do seu melhor amigo, iniciar uma investigação para culpabilizar o tempo e não a sua mãe, da desgraça que começa a se deflagrar na sua família, pois para ele «o acidente acontecera por causa dos dois segundos extra» e «dois segundos têm imensa importância. É a diferença entre uma coisa acontecer e uma coisa não acontecer.»
Em capítulos paralelos, com acção ocorrendo no tempo actual, vamos conhecendo o quotidiano de Jim, um empregado de mesa dum café, de cinquenta e tal anos, introvertido, que sofre de gaguez, amnésia esporádica e de um rol de doenças mentais como TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Pouco a pouco este personagem revela do seu passado. Mas o leitor pressente que a génese do seu trauma, que condiciona a sua cura física, mental e emocional, tem alicerces no início da sua adolescência.
Durante as duas primeiras partes do livro (que vão até à p. 298), vamos pensando para connosco: «mas quem é Jim e o que ele tem a ver com o incidente do Verão de 1972?»; só nas últimas e derradeiras páginas é que a autora nos revela, surpreendentemente, a associação.
O Bizarro Incidente do Tempo Roubado (Perfect, de seu título original, título que a Porto Editora fez bem em não seguir) conta com uma exímia tradução por José Vieira de Lima e prende o leitor a cada página. Só depois de acabada a leitura e de uns momentos de reflexão é que podemos se aperceber do quão profundo este romance é. O tempo é o protagonista do livro e Ele relembra-nos que não se pode pará-lo, nem mudar um momento passado, devemos sim, para nosso bem, aceitá-lo. Não se pode fazer uma coisa sem consequências, é outra das mensagens bem adjacentes neste romance excelentemente bem delineado, escrito de forma simples e simultaneamente com inteligência, pleno de mistério, suspense e que aborda estigmas como os dos doentes mentais que são alvo de preconceitos por parte da sociedade, a diferenciação no trato entre pessoas de posições sociais diferentes, etc. De sentimentos de culpa, vergonha, solidão, mágoa e de amizades dilaceradas pelo tempo este livro também se debruça. Por fim, realço as bem conseguidas mini-ilustrações que no abrir de cada capítulo resumem o mesmo, numa única imagem. Esta obra só soma pontos. Cinco estrelas.


Excerto
«As grandes coisas na vida não se mostram como tal. Surgem em momentos tranquilos, vulgares – um telefonema, uma carta -, surgem quando nós não estamos a olhar, sem nada que as enuncie, sem avisarem (…). E podemos precisar de toda uma vida, uma vida de muitos anos, para aceitarmos a incongruência das coisas: o facto de que um pequeno momento e um grande momento não podem sentar-se lado a lado e fundirem-se num só.» (p. 254)

2 comentários:

kassie disse...

Desde que o livro A improvável jornada de Harold Fry saiu que estou com vontade de ler esta autora. Agora saiu este livro e a minha curiosidade é ainda maior. Parece mesmo muito interessante!

Bárbara Castro disse...

Só o título já me deixa intrigada :)