sábado, 24 de julho de 2021

«Peter Camenzind», de Hermann Hesse

Editora: Dom Quixote
Data de publicação (4.ª edição): Maio de 2021
N.º de páginas: 208

«No princípio, era o mito. E assim como o grande Deus fazia poesia na alma dos hindus, gregos e germanos, procurando expressar-se, assim de novo ele faz poesia, dia após dia, na alma de cada criança.» Este é o incipit do primeiro romance, publicado há 117 anos, do alemão Hermann Hesse. Nesta obra, traduzida para o nosso idioma por Isabel de Almeida e Sousa, o autor aborda alguns dos temas que estariam presentes nos seus romances posteriores (como Demian, Siddartha e O Lobo das Estepes).
O protagonista da história, que é também o narrador da mesma, é um jovem camponês que cresce numa pequena povoação alpina, onde «montanhas, lago, tempestade e sol» eram os seus únicos amigos, que lhe falavam e educavam – pois a mãe morre cedo e o pai deixa-o por sua conta. É na observação dos pequenos detalhes e esplendores da natureza, que Peter se sente em paz: «não conhecia nada de mais belo que vaguear ociosamente por sobre as rochas e veigas, ou junto ao mar.» Todavia, com o findar dos anos de maturação juvenil, uma ânsia incomensurável começa a brotar no íntimo deste rapaz solitário, forte e sensível.

«... o dia chegou e eu parti…»

Assim tem início a primeira das suas jornadas intelectuais, físicas e espirituais. No decurso dessas viagens e experiências mundanas, o protagonista conhece artistas, literatos, músicos, pintores, percorre maus caminhos e no entremeio, aprende o que significa amar outros seres humanos e depara-se com vicissitudes e adversidades. Muitos anos volvidos, o protagonista diz que «o sofrimento, as desilusões e a melancolia não existem para nos deixar contrariados e fazer-nos perder o valor e a dignidade, mas para amadurecer e transformar.»
Peter Camenzind é um romance escrito de uma forma poética, rico em vocabulário esmerado e cujo enredo está pleno de dualidades e antagonismos. Impressiona saber que num primeiro trabalho, Hesse, então com 27 anos, já apresentava uma compreensão madura sobre a complexidade do ser humano.
Há alguns anos esgotado, a Dom Quixote teve a excelente decisão de reeditar Peter Camenzind, uma obra que mantêm-se, mais de 100 anos depois, intemporal.

Excertos
«Mais severa e profundamente, impressionava-me a visão das árvores. Via cada uma delas fazer a sua vida, criar a sua forma e copa particulares, e lançar a sua sombra própria. Pareciam-me eremitas e combatentes… tratava a sua silenciosa e tenaz batalha pela existência e crescimento, contra ventos, tempestades e rochas.»

«O espelho alegre e límpido da minha alma era de vez em quando ensombrado por uma espécie de melancolia.»

«…eu olhava sempre com maior avidez a profundeza das coisas. Escutava o vento a ressoar em acordes nas copas das árvores, ouvia ribeiros bramando nas gargantas e correntes plácidas e silenciosas espraiarem-se por planícies, e sabia que estes sons eram a voz de Deus e que compreender esta linguagem obscura e primordialmente bela seria reencontrar o paraíso.»

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