«Mais depressa hoje consigo ‘meter’ um livro meu no Brasil, em França, na
Suíça, nos Estados Unidos, na Alemanha ou em Itália do que em Portugal
continental.
Um autor com livros de Haiku publicados não
procura propriamente um grande protagonismo ou um reconhecimento editorial num
mercado (o português) em que muito pouca gente sabe o que é o Haiku…»
Foi com uma vista de 360º sobre o Funchal, no piso
descoberto do Hotel The Vine, que o meu interlocutor falou sobre o seu
percurso, enquanto pessoa, escritor e viajante.
Está profissionalmente ligado ao Turismo, ramo que o tem permitido
viajar com regularidade, em abono da sua profissão e do seu lazer. O autor que
autoproclama-se irreverente, vive na ilha da Madeira desde 2001 e os seus
livros dão à estampa desde 2003.
Se da sua idade fosse descontado um ano por cada país que
já visitou, António Barroso Cruz teria idade negativa. Do seu passaporte consta
mais de meia centena de países palmilhados, e o fruto de algumas suas vivências
com culturas antípodas, está patente na forma e no conteúdo dos seus textos –
em jornais, revistas e livros.
Confessou-me o «medicamento para a alma» de que não
prescinde e falou sobre o seu próximo livro: Contos de um pretérito (im)perfeito, que será
lançado em finais de Novembro.
Falamos também sobre os livros de haiku, de Tomas
Tranströmer – o Nobel que já esteve na Madeira -, e sobre os escritores que cá
nascem, os que partem, os que regressam, e também foi alvo de conversa, o
estado actual da cultura madeirense.
As últimas perguntas que fiz a António Barroso Cruz,
foram em tom provocativo; as suas respostas, em tom incisivo.
Texto e Fotos:
Miguel Pestana
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Para quem não o conhece, quem é António Barroso Cruz?
É um aquariano puro: irreverente, insatisfeito, inquieto, impaciente, desacorrentado, com necessidade de espaço para respirar, de tempo para viver intensamente. Com alto sentido de justiça e de aventura. E é também um sonhador com um bom índice de concretização de sonhos.
Como se define enquanto autor?
Irreverente, rebelde, impulsivo, criativo,
erótico, diversificador com uma vontade de experimentação de géneros que não se
esgota.
É um
escritor maioritariamente de poesia, crónicas e contos. Qual o género que mais
lhe agrada escrever?
Maioritariamente de poesia (erótica),
apesar do conto ser o género que mais gosto de escrever e que mais me desafia a
criatividade.
Sem querer ser repetitivo…erótico,
provocador, ousado.
Poesia(s)
do desassossego é
um dos seus livros mais provocadores. Que conteúdos o leitor pode encontrar
neste livro?
Corpos
de mulheres, imagens arrojadas, palavras sem medo, erotismo puro, poesia sem
fronteiras.
Santos
Pecados e contos do (im)possível é considerado por muitos, como o seu melhor livro. O que diferencia
esta obra das outras pertencentes ao seu espólio?
Talvez porque o conto Santos Pecados seja o lugar onde o meu
Padre Antunes consegue ser bem mais perverso que o Padre Amaro do Eça…e porque
os restantes contos sejam repletos de improbabilidades, de uma loucura assumida
e de uma irreverência palavrosa que pode chegar a chocar o leitor.
É um
dos pouquíssimos autores em Portugal que tem publicados livros de haiku, nomeadamente Poesia minimalista e micropoesia
(O Liberal, 2009 e 2010, respectivamente). Existem poucos escritores a escrever
este tipo de poesia ou acha que são as editoras que não apostam nesta variante
poética?
É de facto um factor adverso para quem
escreve Haiku. Mas também acho que quem escreve este tipo de poesia (oriental)
é mais por puro divertimento pessoal, misturado com uma necessidade de
introspecção, contemplação e comunhão com a natureza e com o quotidiano. Ou
seja, um autor com livros de Haiku publicados não procura propriamente um
grande protagonismo ou um reconhecimento editorial num mercado (o português) em
que muito pouca gente sabe o que é o Haiku…
Que
visão depreende desta forma poética de origem japonesa?
O haiku tem como princípio ‘dizer o máximo através do mínimo’, pelo que passa pela minimalização das palavras procurando projectar grandes imagens através dos sentidos de que todos nós somos portadores.
O haiku tem como princípio ‘dizer o máximo através do mínimo’, pelo que passa pela minimalização das palavras procurando projectar grandes imagens através dos sentidos de que todos nós somos portadores.
Prefere
lê-los ou escrevê-los?
Aos livros, em geral, prefiro lê-los.
Sou ou leitor assumidamente compulsivo…quanto ao género Haiku prefiro
escrevê-lo.
O
Prémio Nobel de 2011 foi atribuído a um poeta - Tomas Tranströmer - que também
tem poesia haikuniana publicada. O António gostaria de ler esses haikus, com
certeza…
Com toda a certeza que sim, reconhecendo
desde já que nunca li Haiku do Tranströmer!
É
agente de viagens, portanto, viaja constantemente. Consegue distinguir quando
viaja em trabalho e quando viaja em férias?
É muito difícil já que a linha que
separa essas realidades é demasiado ténue. Ou seja, quando viajo em férias, ou
por lazer, não me consigo dissociar da vertente profissional (o hotel, o quarto
do hotel, a comida, o passeio pela cidade, o museu, o festival anual do
destino, o aeroporto – sempre registando detalhes para poder ‘vender’ o sítio
ao próximo cliente que queira para lá ir, ou que nem sabe para onde quer ir e
aguarda uma minha sugestão).
No âmbito de uma deslocação por motivos
profissionais, retiro sempre parte do tempo para mim. Para partir, de
preferência sozinho, à descoberta da cidade ou do lugar onde estou, para lhe
tentar respirar o ambiente e passar a saber acerca das suas gentes e culturas.
E para decidir se em algum momento lá quero voltar em contexto de férias/lazer.
É um
andarilho que já marcou presença em mais de cinquenta países. Qual o país, a
cidade e a cultura suas eleitas?
Neste momento, e em concreto, 56 países.
Em termos de país, definitivamente a Birmânia. Em termos de cidade precisamente
o oposto: Nova Iorque. Em termos de gente/cultura, cabo-verdiano e Cabo Verde,
especialmente a ilha do Fogo.
Para
si, viajar é…?
Evasão, liberdade, ausência, descoberta,
aventura, enriquecimento cultural, regresso, sonho, mochila, máquina
fotográfica, palavras para trocar, ideias para concretizar.
Quais
os seus escritores de viagem, nacionais e internacionais, preferidos?
A nível nacional definitivamente Gonçalo
Cadilhe. A nível internacional o Tim Butcher, o Bill Bryson, o Luís Sepúlveda
(que também o é) e o Bruce Chatwin.
Entre
as artes de escrever e de viajar, qual a que não prescinde?
A de viajar. A escrita atrela-se-lhe
muitas vezes, pelo que acaba por ser uma consequência.
Em finais de Novembro vai publicar um novo livro…
Certo. Contos
de um pretérito (im)perfeito. No dia 29 pelas 18h30 na Casa da Luz,
Funchal. Depois será apresentado em Lisboa em data, hora e local a informar.
Diariamente sem falhar. É tipo um
medicamento para a alma de que não prescindo.
Ultimamente,
tem folheado livros de que autores?
Terminei o Por quem os sinos dobram, do Hemingway, iniciei O sonho do celta, do Vargas Llosa e o Roma, do Steven Staylor já me anda a
piscar o olho da prateleira onde está deitado há alguns meses junto a mais uma
vintena que aguardam o momento de me contar os seus segredos.
Participa
em vários projectos culturais: feiras, tertúlias e apresentações literárias. O
contacto com os leitores é importante?
É extremamente importante! É, para mim,
a maior recompensa que um escritor pode ter, já que de resto…morre-se pobre.
Por isso valorizo imenso o contacto com o público-leitor, sobretudo na vertente
infantil.
Que opinião tem sobre a cultura literária “made in Madeira” e como vê a divulgação da mesma por parte dos órgãos de comunicação regionais?
É fraca. É pobre, falta-lhe criatividade.
É muitas vezes limitada pelo território insular. Poucas vezes consegue saltar
as fronteiras da ilha e ir mais longe em termos de criatividade e riqueza
linguística. É muitas vezes um evento social sem sentido, vazio. Existem alguns
talentos comprovados, alguns consagrados registados e muita palha seca. Mas não
podemos desanimar, já que por vezes somos surpreendidos por um valor muito
acima da média.
A imprensa escrita divulga o trabalho
dos autores regionais? Não sabia…
De que forma? Mete o nome, a capa do livro, meia dúzia de pessoas a sorrir para a lente e com croquetes e copos de gin tónico na mão?
De que forma? Mete o nome, a capa do livro, meia dúzia de pessoas a sorrir para a lente e com croquetes e copos de gin tónico na mão?
Basta não haver um único crítico
literário na Madeira para que desde logo todo o restante ‘processo’ de
divulgação, interpretação, envolvimento e interesse fique comprometido!
Apesar de tudo a RTP-Madeira ainda
consegue ser a que mantém alguma coerência na abordagem à escrita publicada na
Madeira através das reportagens e dos programas de cariz cultural. Faça-se-lhe
justiça e dê-se-lhes os parabéns!
Poucos
são os escritores de origem madeirense com obra publicada e reconhecida no
continente. Acha que falta talento ou reconhecimento aos autores de cá?
Talento falta, é um facto. E a maioria,
se não todos, os que têm obra reconhecida no continente é porque para lá foram
viver, integraram-se bem na realidade jornalístico-literária continental e,
seguramente, têm valor. Vejam-se os casos de Herberto Helder, de Viale
Moutinho, ou de Ana Teresa Pereira.
Mais depressa hoje consigo ‘meter’ um livro meu no Brasil, em França, na Suíça, nos Estados Unidos, na Alemanha ou em Itália do que em Portugal continental, apesar de haver muita gente que mos pede através do facebook que, para mim, passou de algum tempo a esta parte a ser o melhor veículo de promoção e venda de livros. O que me leva a concluir que a imprensa escrita regional, nesta realidade universal, é perfeitamente dispensável e nada acrescenta de valor.
Mais depressa hoje consigo ‘meter’ um livro meu no Brasil, em França, na Suíça, nos Estados Unidos, na Alemanha ou em Itália do que em Portugal continental, apesar de haver muita gente que mos pede através do facebook que, para mim, passou de algum tempo a esta parte a ser o melhor veículo de promoção e venda de livros. O que me leva a concluir que a imprensa escrita regional, nesta realidade universal, é perfeitamente dispensável e nada acrescenta de valor.
Acha
que deveria haver uma colaboração maior entre editoras e distribuidores livreiros
madeirenses e continentais?
Por um lado acho que sim, mas como os
preços praticados pelas distribuidoras são verdadeiramente pornográficos, acho
que é melhor continuar como estamos e cada autor fazer o ser trabalhinho de
casa: promover, divulgar, vender, colocar e sair da sua área de conforto para
que depois não se venham lastimar de que não vendem ou o seu trabalho não é
(re)conhecido.
Por outro lado acho que não, já que
talentos por cá é coisa rara. E as editoras não se dão muito ao trabalho de
investigar raridades regionais. É mais na base de uma relação lobística
editorial-empresarial que é transversal ao país e muitas vezes ruinosa para os
autores. Acredito que dentro de não muito tempo as próprias distribuidoras
serão dispensáveis. Eu, pelo correio, coloco o meu livro em qualquer parte do
mundo sem custos acrescidos para o leitor.
Para o leitor que acaba de ler esta entrevista e ficou
com curiosidade em comprar algum dos seus livros, qual o que recomenda em
primeiro?
Palavras de mal dizer e bem-querer, esse é o título que revela
o António enquanto Barroso que não escreve de Cruz. E sempre sem papas na
língua.
A partir desse título os
restantes (sejam de poesía, infantil de conto ou Haiku) percorrerão o seu
trajecto ao encontro do leitor■
Site e página do Facebook do autor.
É sempre bom saber mais um bocadinho do autor!
ResponderEliminar:)
Despertou-me muita curiosidade sobre o género Haiku. Deu-me a conhecer uma perspectiva de escrita que separa Portugal Continental da ilha da Madeira e o deixa (no caso deste escritor) mais facilmente publicar em outros países, isso entristece-me.
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