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domingo, 2 de dezembro de 2012

Kafkiana, de Agustina Bessa-Luís

Editora: Guimarães (Babel)
Ano de Publicação: 2012
Nº de Páginas: 96

Sob a égide do 90º aniversário de Agustina Bessa-Luís (A.), comemorado no passado dia 15 de Outubro, a Guimarães, uma chancela do Grupo Babel, lançou uma nova colecção exclusivamente dedicada a obras da autora, intitulada Contemplações, que este livro inaugura.
Kafkiana compila quatro textos de natureza ensaística (os dois primeiros datados de 1983, o seguinte sem data e o último de 2005) nos quais a autora, que diz-se «licenciada» em Kafka (K.), faz uma abordagem ao mundo labiríntico e paradoxal da obra e da existência do autor checo.
No primeiro texto, Kafka e a mendiga de Praga, a autora evoca uma passagem concreta das cartas que K. e Milena Jesenská trocaram. Sintetizada, nessa passagem K. conta que em menino recebera uma moeda de quantia exorbitante e sendo generoso já nessa ínfera idade, ao ver uma mendiga na praça quis oferecer-lhe essa quantia. Para persuadir a estranheza da pedinte quando ela mirasse o valor alto da esmola, e para desviar a arrogância, o pequeno Franz trocou a moeda por outras de valor menor. Assim, ela não estranhou o valor da caridade, na primeira, segunda e terceira vezes que ele dando voltas à praça, dava-lhe o dinheiro. A mendiga, impaciente com as ofertas constantes, se levantou e se foi embora. Servindo-se do lugar-comum Quando a esmola é grande, o pobre desconfia, esta história fez com que A. se «identificasse» com a mendiga: «Ele [K.] tem um tesouro para me dar; oferece esse tesouro com delicadeza (…) mas o coração humano (…) resiste a compreender (…).» (p.16)
A obra de K. não seria a mesma se o autor não tivesse nascido em Praga. E talvez a cidade não tivesse o foco que tem, diz A. no quarto ensaio, onde guia o leitor pela viagem que fez em 2005 à capital da Republica Checa: «Não sei se Praga teria tantos turistas sem ele, a obra dele (…)» (p. 83)
Este último lance da obra é a sua apoteose. Num estilo empolado, A. descreve os seus itinerários e critica os costumes sociais dos tempos pretéritos e dos vigentes: «Em Praga não há a mesma perspectiva para ver Kafka e a obra dele, a mesma que nós temos, os latinos. Há um mau monumento a Kafka, como nós temos no Chiado um mau monumento a Fernando Pessoa.» (p. 79)
Estes ensaios confidenciais revelam as multifaces existenciais do seu protagonista. A., a leitora, mostra como essas «máscaras» estão camufladas em obras como O Processo, A Metamorfose, O Castelo. São precisamente romances que criaram a expressão «kafkiano» para tudo o que evidencia-se nonsense. Assumidamente kafkiana, A. contempla-se.

Nota: 4 de 5.  
(Texto publicado na edição de Dezembro da revista Madeira Digital.)

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