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quarta-feira, 5 de junho de 2013

2 poemas retirados de «Luz Última», de João Luís Barreto Guimarães




Decepção à regra

Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros? 


(p. 24)



Acto de contrição

Pela luz rara da garagem dois vultos
vão pôr o lixo. São velhos desconhecidos. Um
ao outro dão passagem (a
máscara de um cumprimento) esquivos na
escatológica arqueologia das misérias.
Homens de lixo na mão: exímios
a ocultar
versos da vida doméstica (quando
o gesto liso cabe ao avental abundante que
os devolve a casa). Há
em todo esse agravo uma redenção ferida
(um juízo resolvido) como que
um indulto lento.

(p. 49)



João Luís Barreto Guimarães, in Luz Última, Livros Cotovia, 2006








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