[O remetente diz não ser [o] dela.]O livro, impresso em São Paulo, chegou-lhe pelo correio após uma viagem de 5085.915 km, a distância que separa Nova Iorque do Funchal. O seu envoltório, composto por um resistente papel pardo timbrado com letras e números de um posto de correio nova-iorquino, manteve-o — o perfume — incólume, até ele abrir o envelope e começar a sentir o livro, pela ordem da visão, tacto e olfacto. Enquanto desfolhava-o rapidamente — um costume habitual que ele tem quando recebe um livro — soltou-se uma fragrância que estava apensa às folhas, às palavras, ao vácuo. Nesse longo e tão curto espaço de tempo o inebriante perfume trespassou-se-lhe, não para o seu corpo, mas para a sua mente. O odor catalisante permaneceu no seu quarto por breves, ou longos, instantes de silêncio, expelindo no ar as primeiras e últimas essências, em contagem decrescente. Esses breves momentos foram suficientes para o enfeitiçar-seduzir —, ou quiçá, pela ordem oposta. Ele perdeu a noção do tempo. O tempo deixou de lhe dar horas. O resto do dia ele o passou a dormir.Há duas semanas que ele não areja o quarto. Os raios de sol invadem esse compartimento apenas pelas vidraças. Um tapa-sol está aberto, o outro sombreia-lhe a alma. A pequena aragem que ainda se faz sentir é quando ele respira, o pouco que respira, se respira. Enquanto a lembrança fugaz desse instante é alimentada, estando o perfume nele, ele (res)guardo-o, sonha, e a vida continua.O escritora desse livro não conhece o dano que fez à não-ficção desse homem. Os personagens que criou, nele, o homem, e tal como os que habitam no seu livro, encontram-se por desvendar. Agora esse livro encontra-se na estante, ao lado de ‘O Perfume’, de Patrick Suskind.[Se o remetente diz não ser [o] dela, de quem será?](Texto publicado na secção '5 sentidos', do Diário de Notícias da Madeira, em 15/06/2013)
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MISTÉRIO ................
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