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domingo, 29 de setembro de 2013

«O Diário de Helga», de Helga Weiss

Editora: Bertrand
Ano de Publicação: 2013
Nº de Páginas: 216 + 16 de extratextos

«Com a idade, vamos regressando cada vez mais ao passado. Para minha surpresa, descubro agora que, no fundo, nunca o deixei.» Estas são as primeiras frases que uma das sobreviventes e vítimas do Holocausto escreveu para o prefácio deste (seu) livro, dado a conhecer (na sua totalidade) ao mundo no ano passado. Helga nasceu há 83 anos, em Praga. De 1938 a 1945 trespassou para um diário os seus sentimentos, receios e acontecimentos trágicos que vivenciou aquando da ocupação nazi na República Checa. O diário está distribuído por três partes. Primeiro, os relatos da jovem sobre a azáfama na sua cidade e quotidiano familiar; depois, a sua deportação juntamente com os pais para Terezín; e por último, os seus dias passados em Auschwitz, Freiberg e Mauthausen.
Na primeira parte Helga conta as muitas privações que sobre os judeus foram impostas, como não poderem passear pelos jardins públicos, as crianças não-arianas não poderem frequentar a escola, etc. Já quando encontrava-se no campo de concentração de Terezín, Helga mostra o quanto foi difícil separar-se dos pais lá no gueto, mas por outro lado encontrou espírito de união entre os prisioneiros, que mesmo dada a situação penosa e indigna para qualquer ser humano viver, era organizado, entre os judeus profissionalmente ligados à cultura, peças de teatro, recitais de poesia, e dança. Todo o tipo de atrocidades e violência cometidos pelos guardas das SS estão descritas no relato de Helga, com maior ênfase e número quando ela é deportada para Auschwitz, em Outubro de 1944. «Não consigo sequer escrever, a minha mão treme tanto só de pensar nisso. Se não o tivesse visto com os meus próprios olhos, não teria acreditado que hoje, em pleno século XX, poderia acontecer algo assim», escreve a jovem judia um ano e meio antes de ser libertada.
Fome, sujidade, doença, maus-tratos, desespero, ansiedade; tudo isto fez parte na jornada dolorosa e resiliente que enfrentou e que deixou marcas indeléveis. Entretanto, a Segunda Guerra Mundial acabara, finalmente. A última entrada no diário (Helga tem 15 anos) data de 15 de Maio de 1945. A partir daí ela começou uma nova vida dedicando-se à família e à sua carreira de artista plástica. Actualmente, Helga Weiss mora em Praga, no mesmo apartamento em que cresceu.
O texto que vem apresentado em O Diário de Helga é uma versão do pós-guerra, reescrita pela própria com o intuito de alterar o (seu) estilo simples e imaturo, para um mais brioso, e também eliminar algumas partes do diário que pudesse pôr mal-visto o nome de algumas pessoas lá citadas. O diário é um comovente retrato de uma época onde aconteceram das maiores desumanizações de que há memória. O livro está extremamente bem escrito, e é talvez essa a única “falha” que possamos encontrar. Decerto, é um livro que ajudará as pessoas a tentar compreender melhor, ou por outro ponto de vista, um dos mais massacrantes períodos da história.
Numa entrevista recente, concedida a um meio de comunicação social brasileiro, questionada sobre o por quê do seu diário ter permanecido mais de meio-século desconhecido, ela disse: «Se lesse, era como se estivesse lá, no meio do inferno de novo. Resolvi publicá-lo agora porque estou velha e me aflige ainda ver a intolerância chegando a graus extremos na política, na religião, como se pouco, ou nada, se tenha aprendido sobre os riscos e as consequências de alimentar o ódio.»
O Diário de Anne Frank (Livros do Brasil), A Lista de Schindler (Editorial Notícias), Clara – A Menina Que Sobreviveu ao Holocausto (Edições ASA) e A História de Irena Sender (Livros do Brasil) são alguns dos inúmeros livros em que alguns sobreviventes do Holocausto relatam esses tempos de terror. Em que é que O Diário de Helga difere destas obras e que conta como uma mais-valia para este livro? Intercalado com a escrita, a jovem checa, que desde cedo mostrou vocação para as artes, desenhou e pintou a realidade dolorosa que presenciou nos campos de concentração. Assim, neste livro que a Bertrand publica, vem anexado duas partes de extratextos (16 páginas): uma, com cerca de vinte fotografias de Helga e da sua família; a outra, com pinturas (estampadas a cores) elaboradas por ela, onde se comprova que ela tinha um talento inato para se expressar sem ser através da escrita. A favorecer esta edição temos uma esclarecedora introdução da edição inglesa, uma entrevista a Helga (realizada em Dezembro de 2011), e dois mapas das “viagens da jovem” pelos vários campos de concentração.
Desenho de Aniversário I (1943)
Para o seu Décimo Quarto Aniversário (novembro de 1943)
O Transporte das Crianças Polacas (29 de agosto de 1943)

Helga em 1936
Helga em 2012  (© Splash News)


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