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domingo, 2 de novembro de 2014

«A Noite Abre Meus Olhos», de José Tolentino Mendonça

Data de Publicação: 10/10/2014
N.º de Páginas: 464

São cerca de 400 os poemas que compõem a 3.ª edição, aumentada com dois livros, da obra que desde 2006 colige toda a poesia de José Tolentino Mendonça (JTM). Assim, em A Noite Abre Meus Olhos (título de um dos poemas de Estrada Branca, (2005)) estão reunidos os dez livros (de poesia) que o autor madeirense publicou no interregno 1990-2013. 
O italiano Antonio Spadaro, padre e também escritor, sobre a escrita de JTM afirma: «As suas palavras são palavras privadas ditas em público». Quem já leu livros de ensaio, teatro ou poesia do autor, confirma a veridicidade da afirmação. Não só de palavras se faz a poesia de JTM; também de pausas e de silêncios: «O silêncio é a partilha / do furtivo / lume», lê-se no poema «Final», de Os Dias Contados, (1990), livro que marcou a estreia literária do escritor. Desse primeiro livro o primeiro poema faz menção à infância de Herberto Helder, poeta seu congénere, ilhéu também, que tem-se revelado uma inspiração ao longo da sua produção literária. Ainda neste mesmíssimo poema JTM deixou assente que todo o poema «é um tumulto / que pode abalar / a ordem do universo».
A Madeira, seu berço e lugar a que costuma vir constantemente, não só física mas em pensamento — como disse há poucos meses, aquando da sua vinda ao Funchal, num evento literário onde o escritor foi cabeça de cartaz — é invocada ao longo desta poesia reunida, quer através de descrições de coisas e lugares característicos da ilha (Ribeiro Frio, Levada do Castelejo [Porto da Cruz], Pico do Areeiro, Pico Ruivo, Reis Magos [Caniço], etc.), quer lembrando cheiros, momentos e pessoas da sua infância; «porque tudo tem uma voz mesmo as coisas mudas».
Na poesia deste poeta noctívago, que a noite faz despertar seus sentidos, as casas habitadas e abandonadas a que amiúde regressa, os lugares e memórias da infância, as mãos, os corpos fugazes, o fogo, as estações do ano e as emoções que fazem despoletar, são temas assíduos. A poesia de JTM é também uma forma de desapego, de quem a lê se desligar da realidade tantas vezes atroz: «O que deixaste abandonado regressa», «Talvez o que mais intensamente buscamos / o larguemos em seguida».
Para terminar este texto sobre este sublime compêndio poético que é A Noite Abre Meus Olhos (um «breviário de interrogações que multiplica a nossa inquietude», segundo Jerónimo Pizarro, o posfacionador do livro) voltamos aos silêncios, porque eles ao longo dos últimos 23 anos têm uma voz activa nos versos do poeta nascido em Machico, em 1965, especialmente em A Papoila e o Monge (2013): «Silêncio: / contemplar a neve / até confundir-se com ela».


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