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terça-feira, 14 de abril de 2015

«O Pintor Excessivo», de Manuel Tomás

Editora: Parsifal
Data de Publicação: 15/04/2015
N.º de Páginas: 152

O primeiro conjunto de palavras da frase de abertura deste romance, «Depois de mortos, todos são bons, muito bons, nunca houve pessoa tão boa, tão amiga, tão compreensiva e dedicada aos outros, um verdadeiro exemplo, diz-se (…)», desde logo, prende a atenção de qualquer leitor; essa captação de interesse estender-se-á ao longo dos vinte capítulos que compõem o livro.
Um velho amigo a residir em Lisboa, o único confidente das últimas décadas da vida do falecido professor e pintor picuense António Vicente da Costa, toma conhecimento da sua morte através do jornal, e desloca-se a São Miguel para prestar a sua última homenagem a esse homem que cometera, para o bem e para o mal, várias excessividades. É pela sua voz que nesse dia fúnebre e primaveril de 2014 são narradas as memórias mais vincadas do pintor, desde os seus tempos de ensino primário e secundário passado entre as várias ilhas açorianas, o ensino superior decorrido no continente, o antes e o depois da ditadura de 1974, a vida de casado, a forma severa como o patriarca educara os seis filhos, os affairs, mas principalmente a solidão que invadira o seu velho amigo, após a reforma. Sentindo-se com remorsos e culpado por todos os seus filhos terem cortado relações com ele, devido ao seu temperamento «excessivo nas teimosias e no falar intempestivo», deixando de se importar com o seu bem-estar, após terem-se tornado adultos, a única forma de escapar à realidade, qual forma de catarse, foi produzir arte, tendo como figura assídua e inspiração para as suas obras a ilha do Pico («Foi esta ilha a sua matriz na pintura, no sonho, nos amores»), mais concretamente a imponente Montanha, a mais alta montanha portuguesa.
Durante esse dia de último tributo ao pintor septuagenário e enquanto Manuel (o nome do narrador — o mesmo que o do autor — é apenas conhecido na p. 63) espera, juntamente com outro amigo de ambos, residente na ilha Terceira — aliais, este personagem apenas ouve-o, não fala, tal como o leitor, ao longo de todo o relato memorialista — o enterro, os filhos chegam ao funeral do pai, isentos de emoções aparentes e já a armar quezílias entre todos por causa das cotas-partes que a cada um caberá, na herança; o amigo que assiste à triste cena, diz em tom irónico: «o corpo ainda mal vai arrefecendo e já os ânimos se aquecem». Comparece também ao funeral a única mulher que contribuiu para trazer um pouco de felicidade à vida de António Vicente da Costa e que sempre compreendeu aquele excessivo traço na índole do açoriano.
O Pintor Excessivo é um romance que faz-nos reflectir sobre a sociedade degradante dos tempos actuais, onde a precariedade de valores morais cada vez é mais saliente. O autor, Manuel Tomás (n. 1950), ao engendrar uma ficção que retrata uma realidade, infelizmente, cada vez mais corrente dos tempos modernos, como a desunião familiar, o elevado interesse do ser humano pelos bens materiais e escassez de vínculo filial fruto de vingança e orgulho ferido. Palavras como «hipocrisia», «roubo» «tirania» e «indignidade» são descritas pela voz narrativa do livro, que muitas vezes faz-se parecer ser as do autor, dado o teor crítico, acutilante e de revolta, perante injustiças que o governo e sociedade cometem, mais em concreto, em relação à população envelhecida. Por outro lado, este romance ganha maior leveza e veste-se de prosa poética em diversas passagens, quando o autor, distinta figura das letras dos Açores, faz descrições das gentes, lugares e paisagens das ilhas do Pico e de São Miguel. Em suma, O Pintor Excessivo, obra com que Manuel Tomás estreia-se na ficção — entre outros tem publicados os livros de poesia Entre sei lá e o quê (Edições Vieira da Silva, 2012) e Maroiço (Companhia das Ilhas, 2013) — revela-se uma bela e prazerosa leitura.
De salientar que Manuel Tomás foi uma das pessoas que tornou possível a publicação do livro, também com o selo das Edições Parsifal, A Montanha e o Titanic (2014), da autoria de Luísa Franco (1953-2012), que nessa obra, para descrever o amigo, utiliza a seguinte frase: «Possui a teimosia própria dos picarotos, capazes de sacar vinho da lava vulcânica e plantar milho entre as pedras.» (p. 135)



Excerto
«Mas é perante a morte de alguém que vemos o que esse alguém foi. Um ápice tão breve como breve é a vida na incomensurável dimensão do universo que habitamos. Não passamos de uma ínfima parte de alguma coisa ou de uma não-vida. Uma insignificância.» (p. 12)


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