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domingo, 18 de outubro de 2015

«O Estrangeiro - segundo a obra de Albert Camus», de Jacques Ferrandez

Editora: Arcádia
Data de Publicação: Novembro de 2014
N.º de Páginas: 140

Em 2013, sob a égide do centenário de nascimento de Albert Camus (1913-1960), foi publicado em França, pelas Éditions Gallimard, uma adaptação a BD de O Estrangeiro (1942), considerada uma das obras-primas da literatura do século XX. O autor e ilustrador franco-argelino Jacques Ferrandez (n. 1955) foi quem ajustou o texto original e criou todo o aspecto gráfico do romance de Camus.
«A minha mãe morreu hoje.» Após saber do falecimento da sua mãe, Meursault viaja de Argel para estar presente no funeral. Sem demonstrar qualquer sinal de afectividade pela progenitora no enterro, chorar, por exemplo, ele é de logo olhado de lado pelos familiares que vieram prestar a última homenagem à idosa que vivia num asilo. No dia seguinte, Meursault reencontra Marie, uma antiga conhecida, e com ela vai a banhos, numa praia e de noite assistem a um filme cómico. Com ela inicia, sem ter consciência, uma relacção amorosa. Por esses dias faz amizade com Raymond Sintès, um homem que tem quezílias com árabes. Será com o intuito de proteger Raymond que este homem pouco ambicioso e de carácter taciturno e fechado, para quem tudo é-lhe indiferente, cometerá um assassinato assombroso.
No julgamento, o leitor vai testemunhando os contornos absurdos do desenrolar do processo de acusação, da construção do perfil psicológico de Meursault, para que os magistrados possam fundamentar a sentença final, que se vai adivinha dura. Nessa sociedade o não demonstrar que se sente é tido como ofensivo, mais grave do que cometer um assassínio tenebroso. Será constatado que o crime maior do protagonista, um estrangeiro a si próprio, um «estrangeiro para a sociedade em que vive», palavras de Camus, não terá sido assassinar um homem, mas ter-se mostrado indiferente e insensível durante o funeral da mãe, dias antes de cometer o brutal crime: «Assiste ao funeral com uma insensibilidade que chocou os presentes. Nem sequer sabe a idade certa da mãe».
Transpor a BD um romance tão significativo como este podia ter corrido mal. Quando lemos um texto somos levados a usar a imaginação, obrigatoriamente; já as ilustrações quando apensas a um texto revelam imediatamente a imagem/interpretação singular do autor que recria visualmente esse mesmo texto. Aliais, igualmente arriscado são as cada vez mais recorrentes adaptações de livros, muitos deles clássicos da literatura, para o cinema. Mas o desenhador franco-argelino Jacques Ferrandez (que viveu durante vários anos na mesma rua que Albert Camus), foi leal com a história. Deu veste e vida a um personagem tão marcante da literatura francesa, traçando um homem aflito com o absurdo da sua realidade, um estrangeiro injustiçado e ao mesmo tempo culpado. Gotas de suor são recorrentes na caraterização do narrador-protagonista e conseguem transmitir o sufoco daquele Verão desesperante onde a acção decorre. No trabalho gráfico do ilustrador é predominante a cor amarela acastanhada e o azul, que saídas da paleta de aguarelas de Ferrandez pintam os sentimentos e emoções dos personagens e embelezam a maioria das paisagens e que retratam a Argélia, a sua maioria em pano de fundo aberto, sem vinhetas.
O Estrangeiro - segundo a obra de Albert Camus (formato: 210 x 288 mm; tradução: Paula Caetano) demonstra assim que Jacques Ferrandez é um profundo conhecedor desse romance. De referir que já em 2009 ele tinha transposto para banda desenhada a novela O Hóspede (L’Hôte), também retirado da obra do Nobel de literatura de 1957.

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