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segunda-feira, 21 de maio de 2018

«O que Perdemos», de Zinzi Clemmons

Editora: Minotauro
Data de publicação: 03-03-2018
N.º de páginas: 196

Zinzi Clemmons, de 33 anos, é uma nova voz da literatura americana. O seu romance de estreia, What We Lose, traduzido para português por Inês Fraga, foi publicado em Julho do ano passado e considerado pela Vogue como a grande revelação do ano.
O que Perdemos conta a história de Thandi, uma jovem afro-americana que luta para aceitar a morte da sua mãe — «A minha mãe está morta. Mas ainda a vejo. Mas ainda a sinto. Ainda consigo ouvir-lhe a voz» —, a sua heroína, a mulher que ensinou-lhe a olhar o mundo de forma cáustica, para que ó seu carácter nunca fique vulnerável ante o preconceito racial, que inequivocamente, podera vir a ser alvo, devido à cor da pele com que nascera.
Para esta mulher destemida, aparentemente forte, a dor que nela emerge após a morte da sua mãe — para ela, era a pessoa que lhe curava — catalisará toda uma série de questões prementes que ela sempre procrastinou. A sua identidade racial, a sua autoestima e o seu lugar no mundo, são tópicos que nesse momento, enquanto Thandi é uma mulher ferida e devastada pela perda, irá indagar.
Após uns tempos de autoanálise, de afastamento da faculdade, levando uma vida socialmente fugidia, a protagonista desta história tenta seguir em frente, sempre com o apoio de Aminah, a sua fiel amiga.
Depois de alguns relacionamentos sexuais promíscuos, em que o sexo serve apenas para expulsar os demónios do seu corpo, e para vingar-se, inconscientemente, dos seus pais, por estes terem feito do sexo um assunto tabu, ela engravida. Uma decisão precipitada fá-la aprender a não mais trocar o que mais quer na vida por aquilo que mais deseja num determinado momento. A protagonista, mais à frente no tempo, finalmente compreenderá que «perder é mesmo assim, uma coisa completa e irreversível.»
«Temos dentro de nós, uma reserva insuspeita de força que surge quando a vida nos põe à prova.» Esta frase da escritora Isabell Allende, poderia muito bem servir de premissa para O que Perdemos, um romance envolvente, incisivo e ao mesmo tempo comovedor, que nos faz reflectir perenemente sobre a vida, a identidade, a maternidade, o sexo, a morte e o luto.
Capítulos, parágrafos e frases breves, assim articulou a autora norte-americana a narrativa, que alterna entre uma prosa lírica, com passagens subtis sobre o amor e a perda, e uma outra, definitivamente agreste, onde Zinzi Clemmons descreve cenas de sexo.
A nível estrutural, este romance não é linear; a analepse é a anacronia presente ao longo de toda a história. Este facto faz com que o leitor só no epílogo possa juntar todas as peças com que a autora teceu O que Perdemos, um género de livro que pode-se denominar como auto-ficção, visto que este romance é semi-autobiográfico. Tal como a protagonista, a autora é filha de uma mãe sul-africana e de um pai americano; as mães de ambas foram diagnosticadas com cancro e faleceram.
Uma nota final para destacar a capa desta edição portuguesa, que não segue o frontispício da edição original. Esta capa revela-se visualmente mais apelativa do que as edições já publicadas a nível internacional; parabéns à equipa de design da Ideias com Peso.

Citações
“Quando o meu amor e eu fodemos, fazemo-lo com o medo do mundo em nós. Estamos a foder a morte, e a morte adora. Estamos a foder as nossas próprias mortes, as mortes das nossas mães, as mortes dos nossos amigos e a morte dos nossos direitos.” (p. 55)

“Tanto eu como o meu pai ficámos órfãos, desnutridos, emocionalmente distantes, negligenciados.” (p. 103)

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