Editora: Alfaguara
Data de publicação: Setembro de 2020 N.º de páginas: 184 |
França.
1986.
V. conhece G. num jantar que tem como convidados algumas personalidades do meio literário. Ela tem treze anos; ele, 49. Um ano depois, depois de meses a ser aliciada (com aquiescência da mãe – o seu pai deixara «um vazio insondável» na sua vida, desde que se divorciara da sua mãe) por esse homem, um escritor de renome, V. inicia uma espécie de “relação” com esse intelectual 36 anos mais velho que ela.
Com catorze anos, esta rapariga inexperta e este homem pervertido tornam-se amantes, à vista de todos, sem a admoestação de adultos que com eles conviveram. Carente de afecto e sem referências masculinas presentes há muito na sua vida, esta adolescente não consegue ver que está presa numa teia, onde o predador é um pedófilo – a sua tendência sexual por adolescentes de ambos os sexos era bem conhecida nos círculos literários parisienses desde 1974, ano em que publicou o livro ensaístico biográfico Les Moins de seize ans.
Que desfecho pode ter tido esta história de sedução, abuso sexual e negligência?
Volvidos mais de trinta anos sob os acontecimentos, Vanessa Springora, editora e diretora das edições Julliard, partilha as suas memórias mais íntimas e dolorosas, num livro que fez ressurgir em Janeiro do ano passado em França o movimento #MeToo (que continua actualmente a ser um assunto controverso, após o livro La Familia Grande, de Camille Kouchner, ter sido publicado no início deste mês).
Em Consentimento, o V. é de Vanessa; G. é de Gabriel [Matzneff], o destinatário das denúncias que expõe no livro, o intelectual que afastou-se recentemente da ribalta cultural francesa.
Um «ogre», um «perverso narcisista», um «efebófilo», são alguns dos termos que a autora utiliza para retratar este homem actualmente com 84 anos, que viu toda a sua obra literária retirada das livrarias, logo que este livro polémico foi lançado. Gabriel Matzneff será também julgado em Setembro deste ano por "apologia" da pedofilia – repercussão também deste testemunho literário explosivo. Este é um livro escrito num tom sóbrio, num estilo objectivo e incisivo e através de capítulos curtos, que nos faz manter o interesse no rumo dos acontecimentos (alguns deles nos deixam em grande perplexidade).
Numa entrevista concedida à revista Máxima, em Dezembro de 2020, a autora afirmou que este foi um livro catártico e que o seu impacto e celeuma despoletada na sociedade francesa e países onde já foi traduzido, a surpreendeu ainda mais do que o sucesso.
Consentimento é um testemunho notável, corajoso e tão poderoso quanto magnífico sobre um relacionamento abusivo e subversivo, que fez destapar a hipocrisia do mundo literário francófono.
Excertos
«Aos catorze anos, não devíamos ter um homem de cinquenta anos à nossa espera à saída do liceu, não devíamos viver com ele num hotel, nem estar na sua cama, com o sexo dele dentro da boca à hora do lanche.»
«Ele adora fazer drama. Suscitar compaixão. Cada episódio da sua vida é instrumentalizado.»
Desde que saiu que tenho vontade de ler. Todas as críticas e opiniões que tenho lido são consensuais: um testemunho duro e corajoso escrito de uma forma excelente.
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