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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O erotismo e a sexualidade na poesia da Antiguidade Clássica

Depois de ter conquistado os leitores e a crítica com Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, o professor e investigador Victor Correia volta a convidar-nos a celebrar, sem preconceitos, o corpo, o erotismo e a sexualidade, no livro Poemas Eróticos da Antiguidade Clássica. Inédito, este é o primeiro volume publicado em Portugal a reunir os mais sensuais poemas dos grandes autores da Grécia e Roma antigas, de Homero a Virgílio, com traduções de grande qualidade.
A obra inclui ainda notas biográficas de cada autor.
Uma edição Guerra e Paz disponível a partir da próxima semana. Segue um excerto:

EPISÓDIO ENTRE ZEUS E HERA

[…]
Hera aproxima‑se,
entretanto, apressada, da ponta do Gárgaro,
no Ida altanado. Enxergou‑a
Zeus grande, que as nuvens cumula,
e, logo, o espírito sente envolvido por cálido anelo,
como se deu, quando os dois, num só leito enlaçados, fruíram,
às escondidas dos pais, os prazeres do amor, inefáveis.

Logo, avançando para ela, lhe disse as seguintes palavras:
«Hera, que causa te trouxe do Olimpo até aqui? Que desejas?
Não vejo o carro, os cavalos não vejo, que possa levar‑te.»
Com solapada intenção Hera augusta lhe disse, em resposta:
«Tenho o propósito de ir visitar, nos confins da alma Terra,
o pai de todos os deuses eternos, o Oceano, e a mãe Tétis,
que em seu palácio bem‑feito
com muito carinho me criaram.
Vou visita‑los,
com o fim de compor‑lhes
antiga discórdia.
Há muito que ambos o leito apartaram, desta arte se abstendo
dos gratos elos do amor, por se acharem inflados de cólera.
Os corredores deixei‑os
no pé do Ida augusto, de fontes
inumeráveis, que me hão de levar pelo mar e por terra.
Ora do Olimpo desci simplesmente com o fim de avisar‑te,
para evitar que ficasses zangado se, acaso, me fosse
sem nada dizer ao palácio do Oceano de curso profundo.»
Disse‑lhe,
então, em resposta, Zeus grande, que as nuvens cumula:
«Hera, bem podes adiar algum tanto a visita que dizes.
Ora subamos para leito e os prazeres do amor desfrutemos.
Nunca uma deusa ou mulher fez nascer‑me
paixão tão violenta
como a que o peito me invade nesta hora e o subjuga, inundando‑o.
Nem a consorte de Ixião, de quem tive, já há tanto, Pirítoo,
entre os mortais qual um deus, de intelecto divino exornado;
nem mesmo Danae, de belos artelhos, a filha de Acrísio,
de quem Teseu foi gerado, varão de excelente virtude;
nem, ainda, a filha do muito afamado Fenice, que Minos
e Radamanto gerou, semelhantes aos deuses eternos;
nem a princesa de Tebas, Alcmena, nem Semele, ainda –
Héracles forte, de peito leonino, proveio daquela;
desta, Dioniso, chamado na Terra Delícia dos Homens –
nem a querida Deméter, rainha de tranças venustas,
nem Leto amada, a gloriosa, nem mesmo tu própria, antes de hoje,
gratos anelos em mim despertou, como os que ora me inflamam.»
[…]

Ilíada, canto 14, versos 292‑360 
Traduções de Carlos Alberto Nunes

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