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sexta-feira, 31 de março de 2023

«Espanto e Encantamento», de Pablo d’Ors

Editora: Quetzal
Data de publicação: 02/02/2023
N.º de páginas: 368

Cinco anos antes de escrever a sua obra mais emblemática, A Biografia do Silêncio, o teólogo e escritor Pablo d’Ors, nascido em 1963 em Madrid, escreveu um romance muito sui generis, sobre um homem que acha que tudo o que acontece ao seu redor é-lhe excepcional. Quando está quase a fazer 60 anos, ele decide escrever as suas memórias.
Alois Vogel é um solitário, que estudou Letras e que aos 34 anos é contratado para ser vigilante de um dos mais prestigiados e visitados museus da Alemanha. O que aconteceu na sua vida pessoal e profissional durante os vinte e cinco anos seguintes é o que ele relata ao leitor. O que vai na mente de um guardião de obras de pintores expressionistas famosos como Chagall, Matisse, Mondrian e Kandinsky? «Tudo — até a mais pequena coisa, sobretudo a mais pequena — me causa um espanto profundo. Perante qualquer coisa que veja, toque saboreie, olhe ou cheire, surge em mim a sensação de estar perante um encantamento.»
O protagonista é um homem que fica obcecado facilmente; por exemplo, por uma pintura, por uma mancha de humidade que aparece numa das salas do museu, pelo som dos ledes dos focos de iluminação, por uma mulher de quem apenas conhece a voz. No seu raciocínio, o mundo é feito de vigilantes e vigiados: «não nos devemos cansar de olhar; não devemos retirar o olhar quando se descobre a fealdade. A beleza só chega para os que a esperam.»
Um romance inusitado e simultaneamente requintado, escrito através de uma prosa hábil e imaginação transbordante. Pablo D’Ors escreve frases que nos fazem reflectir sobre a arte de observar, sobre a transitoriedade do tempo, sobre o silêncio, sobre a arte.
Espanto e Encantamento é um romance pleno de sentido de humanismo e com doses de nonsense (que nos faz lembrar o mundo labiríntico de Franz Kafka), mas o lemos com estranheza e sem satisfação, embora sejamos empáticos com o protagonista. Contudo, salientar a exímia tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra a partir do espanhol.
Este é o primeiro romance do autor a ser publicado em Portugal — as três obras anteriores são de não-ficção (A Biografia do Silêncio, Sendino Está a Morrer e O Amigo do Deserto).

Excertos
«Quando olhamos para alguma coisa durante muito tempo, seja o que for, acabamos por descobrir a sua fealdade e insignificância, ou inclusivamente o seu ridículo. Ora bem, se se olhar durante muito tempo para esse mesmo objeto ou pessoa, essa insignificância ou fealdade, esse ridículo inevitável, transforma-se misteriosamente em beleza e sentido.»

«O museu me proporcionou um posto privilegiado como espectador da raça humana»

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