Editora: Tinta da China
Data de publicação: Junho de 2023N.º de páginas: 168 |
Antes de abrir o seu livro de memórias e contar o seu percurso enquanto médico psiquiatra, a companheira de José Gameiro há quase trinta anos, Ana Andrade, que assina o prefácio, revela aos leitores como é viver com um psiquiatra.
Quis ser marinheiro, engenheiro agrícola e depois decidiu ser médico, mas nunca lhe passou pela cabeça ser psiquiatra. Isso só virou para o autor um objectivo quando, após um ano a fazer clínica geral no Alentejo, enquanto jovem médico, notou que o que lhe fascinava na prática clínica era falar com as pessoas, ouvi-las, compreendê-las, «criar com elas uma relação». Assim, iniciou o seu internato, onde aprendeu a manejar ansiolíticos, estabilizadores de humor, antidepressivos e antipsicóticos (os chamados psicotrópicos) e especializou-se em Psiquiatria já lá vão 43 anos.
Ao longo dos capítulos, o autor entrelaça o seu trajecto profissional com vários acontecimentos da sua vida pessoal e familiar que o marcaram, como por exemplo, os primeiros anos de infância, os primeiros namoros e a separação dos pais.
Como nos conta, nessa altura, a especialidade médica que escolheu para profissão, era tudo menos consensual. Depois que conheceu o Doutor Daniel Sampaio, que foi seu tutor durante quatro anos, ambos começaram a se interessar por uma terapia inovadora que emergiu nos EUA na década de 1960. Após formações na área, juntamente com uma equipa multidisciplinar, Gameiro co-fundou, em 1979, a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar (SPTF).
Outra terapia, a que o autor dedica um capítulo, é a terapia de casal: «Pouco tempo depois de começar a ver famílias, comecei também a acompanhar casais (…) Desenvolvi um modelo de terapia de casal que se tornou uma referência reconhecida».
Inspirando-se na sua realidade diária, este psicoterapeuta que dedicou a sua carreira a ajudar pacientes a encontrar o caminho para fora dos labirintos da angústia e da escuridão, revela em Ser Psiquiatra um profundo conhecimento da psique humana. Esta é uma obra íntima e pessoal, escrita de forma hábil, como é apanágio deste especialista em terapia familiar e terapia de casais, que recentemente abrandou o ritmo de trabalho: só dá consultas uma vez por semana e já não atende pacientes em primeiras consultas.
Além de ser autor de uma dezena de livros, entre os quais Até que o Amor nos Separe (2011), Até que Consigas Voar (2014) e Talvez para Sempre (2017), José Gameiro é piloto de aviões há trinta e cinco anos.
Uma nota para apontar algumas gralhas que passaram ao lado da revisora de texto deste livro.
Excertos
«O sofrimento das pessoas atormentava-me, queria tratá-las depressa. Com a idade e com a experiência, fui aceitando que não se pode ser apressado. Uma das primeiras tarefas de um psicoterapeuta é gostar do doente. Não escolhemos quem nos entra pela porta e, naturalmente, acontece entrarem pessoas que achamos muito desagradáveis. Mas estão a sofrer, e é pelo sofrimento que nos aproximamos delas.»
«Uma parte significativa da vida profissional de uma psiquiatra é passada a lidar com a morte. Quase sempre temos um cemitério dentro de nós, onde jazem pessoas que foram muito importantes na nossa vida.»
«Quando se sofre de um ou mais sintomas psiquiátricos, não psicóticos, toda a vida gira em torno deles. Provocam muito sofrimento, invadem toda, ou quase toda, a vida funcional e geram uma luta contra a incompreensão das pessoas próximas.»
«Os casais são como os aviões: gostam muito de usar o piloto automático. Reagem sem se darem conta de que já não controlam o que dizem.»
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