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quinta-feira, 5 de maio de 2016

«Elogio dos Amantes Derradeiros», de Manuel Andrade

Edição: Iditoteque
Data de Publicação: Março 2016
N.º de Páginas: 156

«Bem-vindo sejas leitor ao quadrado mágico dos sentidos». Assim inicia Manuel Andrade (n. 1969) este seu novo romance, que tem como protagonistas dois amantes que encontram-se periodicamente num motel («antro de pecado» e de «volúpia»), no Porto. José e Madalena, ambos com vidas paralelas, entregam-se desmesuradamente nesses encontros furtivos, que nem dois fugitivos sem cárcere. Para ambos, não interessa e nem pode interessar, o que será o dia seguinte.
Nos primeiros tempos, os encontros têm como força motriz o risco pela aventura, o desejo carnal e lascivo, o tesão e instinto animal, a promiscuidade sem julgamento; passado algum tempo, surge um sentimento, igual a uma semente que germina mesmo sem ser regada. Essa nova transformação traz com ela uma consequência resultado de quando corpos e almas são tocados e se juntam.
José, o narrador, um homem que ama «o universo feminino na sua inteireza», na primeira metade da história, fala directamente para o leitor sobre a sua relacção e vida de amante («Bem-vindo sejas, caro leitor, entra, que és convidado!, entra e serve-te deste prazer», «Sim, leitor, sempre reconhecerás o teu verdadeiro amante, a tua verdadeira metade num canto qualquer dos malmequeres das palavras»), depois direciona o seu discurso, num tom mais melancólico e amargurado, para o objecto da sua tristeza, numa fase em que a vida que ele leva é feita apenas de recordações. Os seus lamentos são ouvidos pelo leitor até ao findar deste romance. Somos o seu único ouvinte, o mais fiel. Com as suas confissões, relembraremos que o apego em demasiado que temos às pessoas é passageiro e corrosivo; que nada é dado como garantido; que somos apenas simples caminhantes que num dado momento da nossa existência nos esbarramos com seres humanos maravilhosos sem os quais — criamos a ilusão — julgamos não poder viver. É verdade que o insperado determina o nosso futuro, embora seja fundamental não deixar a vida correr sem nada fazer, porque a vida deve ser encarada como uma série imprevisível de ocasiões perdidas ou aproveitadas.
Elogio dos Amantes Derradeiros é um romance portentoso que nos fala de desejo, erotismo, sexo e amor. Descrevendo a relacção furtiva entre dois amantes, o autor mostra que, por vezes, para nos encontrarmos a nós próprios, temos de nos perder primeiro.
Esta é uma história de amadurecimento, sobre a beleza da vida quando é vivida sem limites e a forma como as experiências podem muitas vezes transformar a realidade numa extraordinária e incomum vida. O autor de Três Bichos te Esperam, Quatro te Comerão (Idioteque, 2014) e Lugar de Um Deus que me Livre (Idioteque, 2015) apresenta uma narrativa crua mas simultaneamente pura, adornada por uma escrita livre, desenvolta, não regrada, liberta de regras morfológicas/sintáticas, o que é um atractivo para o leitor. É um tipo de escrita enebriante, que surrurra aos nossos ouvidos, criando um elo de ligação entre o leitor e a história.
Elogio dos Amantes Derradeiros é uma obra que homanegeia a boa literatura nacional contemporânea e que não deixa de seduzir o leitor, confirmando o talento de Manuel Andrade.


Excertos
«há inúmeras vidas dentro da vida, sub-existências dentro da grande existência que é a nossa passagem pela terra»

«eu percebi que chegara ao fim da minha autoestrada de afetos, das minhas ultrapassagens pela direita ao amor, das minhas acelerações sem limite de velociadde de ternura, o fim, enfim, o fim da minha condução em contramão»

«as almas que se pertencem sempre se entendem por siglas surdas.»

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