Edição: Iditoteque
Data de Publicação: Março 2016 N.º de Páginas: 156 |
«Bem-vindo sejas leitor ao quadrado mágico dos sentidos». Assim inicia Manuel Andrade (n. 1969) este seu novo romance, que tem como protagonistas dois amantes que encontram-se periodicamente num motel («antro de pecado» e de «volúpia»), no Porto. José e Madalena, ambos com vidas paralelas, entregam-se desmesuradamente nesses encontros furtivos, que nem dois fugitivos sem cárcere. Para ambos, não interessa e nem pode interessar, o que será o dia seguinte.Nos primeiros tempos, os encontros têm como força motriz o risco pela aventura, o desejo carnal e lascivo, o tesão e instinto animal, a promiscuidade sem julgamento; passado algum tempo, surge um sentimento, igual a uma semente que germina mesmo sem ser regada. Essa nova transformação traz com ela uma consequência resultado de quando corpos e almas são tocados e se juntam.José, o narrador, um homem que ama «o universo feminino na sua inteireza», na primeira metade da história, fala directamente para o leitor sobre a sua relacção e vida de amante («Bem-vindo sejas, caro leitor, entra, que és convidado!, entra e serve-te deste prazer», «Sim, leitor, sempre reconhecerás o teu verdadeiro amante, a tua verdadeira metade num canto qualquer dos malmequeres das palavras»), depois direciona o seu discurso, num tom mais melancólico e amargurado, para o objecto da sua tristeza, numa fase em que a vida que ele leva é feita apenas de recordações. Os seus lamentos são ouvidos pelo leitor até ao findar deste romance. Somos o seu único ouvinte, o mais fiel. Com as suas confissões, relembraremos que o apego em demasiado que temos às pessoas é passageiro e corrosivo; que nada é dado como garantido; que somos apenas simples caminhantes que num dado momento da nossa existência nos esbarramos com seres humanos maravilhosos sem os quais — criamos a ilusão — julgamos não poder viver. É verdade que o insperado determina o nosso futuro, embora seja fundamental não deixar a vida correr sem nada fazer, porque a vida deve ser encarada como uma série imprevisível de ocasiões perdidas ou aproveitadas.Elogio dos Amantes Derradeiros é um romance portentoso que nos fala de desejo, erotismo, sexo e amor. Descrevendo a relacção furtiva entre dois amantes, o autor mostra que, por vezes, para nos encontrarmos a nós próprios, temos de nos perder primeiro.Esta é uma história de amadurecimento, sobre a beleza da vida quando é vivida sem limites e a forma como as experiências podem muitas vezes transformar a realidade numa extraordinária e incomum vida. O autor de Três Bichos te Esperam, Quatro te Comerão (Idioteque, 2014) e Lugar de Um Deus que me Livre (Idioteque, 2015) apresenta uma narrativa crua mas simultaneamente pura, adornada por uma escrita livre, desenvolta, não regrada, liberta de regras morfológicas/sintáticas, o que é um atractivo para o leitor. É um tipo de escrita enebriante, que surrurra aos nossos ouvidos, criando um elo de ligação entre o leitor e a história.Elogio dos Amantes Derradeiros é uma obra que homanegeia a boa literatura nacional contemporânea e que não deixa de seduzir o leitor, confirmando o talento de Manuel Andrade.Excertos«há inúmeras vidas dentro da vida, sub-existências dentro da grande existência que é a nossa passagem pela terra»«eu percebi que chegara ao fim da minha autoestrada de afetos, das minhas ultrapassagens pela direita ao amor, das minhas acelerações sem limite de velociadde de ternura, o fim, enfim, o fim da minha condução em contramão»«as almas que se pertencem sempre se entendem por siglas surdas.»
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