O Festival Literário da Madeira 2012 chegou ao fim.
Com a sua abertura no passado dia 15, e tendo como mote inaugural o sublinho da obra de Agustina Bessa-Luís, o festival encerrou as cortinas ontem à noite, em grande clima de euforia. Entre o hiato do seu início e término, muito foi o que se disse, muitos assuntos foram abordados nas «5 Mesas redondas», e muitos foram os «declaradores de poemas» na grande noite do espetáculo Ser Poeta Não É Uma Invenção Minha.
Eu estive lá, e sendo madeirense, fiquei orgulhoso que numa ilha – na minha ilha - um festival deste «calibre» tivesse acontecido, e já na sua segunda edição.
Para muitos de vós, leitores do Silêncios que Falam, o que se segue é a minha visão do festival, que decorreu no Teatro Baltazar Dias, do que foi proferido in loco e em alguns apontamentos de bastidores, visualizados através do meu aposento, numa das galerias do Teatro (de onde foi disparada a foto abaixo), onde nada - mas nada - se me escapou.
Quando estava a ler o programa do Festival Literário da Madeira deste ano, pensei que estava a ler o do festival de 2011, mas com o acrescento de mais alguns nomes de escritores, que não estiveram presentes nessa edição. Mas não. Era efectivamente o programa deste ano. O que constatei foi que dos 25 escritores participantes deste ano, 9 estiveram – também – presentes na 1ª edição. Ou das duas uma: ou os escritores são mesmo muito bons, ou são repetentes porque os laços e parcerias várias assim o ditam a sua presença novamente. Num país com grande número de escritores (de bons escritores) a repetição das suas presenças foi, sinceramente o que mais me evidenciou negativamente – e não menosprezando a qualidade literária de nenhum escritor do «grupo dos 9».
A primeira Mesa do festival teve como tema Éramos felizes e não sabíamos e contou com a participação de Inês Pedrosa, José Manuel Fajardo, Patrícia Reis, Pedro Vieira e Rui Nepomuceno.
Moderando (o que apenas fez, foi apresentar os convidados) a conversa (ou não) esteve o Reitor da UMA (Universidade da Madeira). O tema foi apenas o ponto de partida para uma conversa sobre a tão enfastiada crise.
Patrícia Reis sublinhou que as notícias das manchetes dos telejornais são sempre péssimas, devastadoras, o que faz com que as pessoas pensem que as notícias boas, simplesmente não existem, no país e no mundo. A escritora sublinhou ainda que «o português, em geral, não é feliz, queixa-se é com muita facilidade». A troika foi chamada também à conversa, inevitavelmente.
José Manuel Fajardo (que autografou-me um livro) na sua percepção de felicidade diz que «quando falamos de felicidade, falamos da nossa percepção da vida.»
«Infâncias felizes não fazem bons romancistas», foi citado por Pedro Vieira e a partir dessa citação, este escritor deambulou, em tom de brincadeira, em torno de alguns nomes relevantes da literatura, e confrontou as suas infâncias, às obras dos mesmos.
O espectáculo denominado Ser Poeta Não É Uma Invenção Minha, decorrido na noite de sexta-feira, preencheu por completo o Teatro Baltazar Dias. Sinónimo que na ilha temos um grupo de pessoas que interessa-se pela cultura.
Acho que tem de ser desmistificado este estereótipo de que a Madeira é só flores, turistas e viadutos.
A literatura está acessível tão bem e também, do mesmo modo que no «rectângulo».
Fica aqui a página dos Booktailors do Youtube, onde poderão ver alguns vídeos deste espectáculo, entre outros.
Na segunda Mesa, e moderando (e muito bem) a conversa sob o tema Éramos poors e não sabíamos, esteve Ana Isabel Moniz. Os convidados Júlio Magalhães, Eduardo Pitta, Afonso Cruz e Ana Margarida Falcão, discutiram o peso da crítica literária e na sua influência sobre os leitores.
A docente da UMA, Ana Margarida lembrou os espectadores e participantes da Mesa, o programa que houve, em que em horário nobre, uma pessoa divulgava um livro, em pouco minutos, e que essa pequeníssima abordagem, significava imenso e adoçava o gosto para a literatura. A escritora madeirense disse ainda «existe imensa gente a escrever, o que dificulta a seleção dos leitores e críticos», e comparou a comida artificial à comida caseira. Isto para passar a mensagem de que a oferta literária é vastíssima e que cabe ao leitor, separar o trigo do joio. O crítico literário Eduardo Pitta, sublinhou que «é preciso polir a mão para atingir um patamar respeitável», e admitiu que os seus primeiros trabalhos [menos moldados] fizeram parte do seu crescimento literário. Concordo por completo nesta citação, pois se algum dia alguém está numa posição engrandecida, é sinal que teve um esforço para chegar ao patamar que está. A crise foi novamente vinda à Mesa, desta vez por Júlio Magalhães, que disse «Portugal sempre esteve em crise. Agora é que esta está mais acentuada». O binómio literatura-escola e literatura-televisão foi vincado pela jornalista também, querendo dizer que existe cada vez mais o divórcio entre as novas gerações pelo gosto pela leitura.
Tenho de partilhar o que Júlio Magalhães confidenciou aos espectadores do Teatro. Contou que no último lançamento do livro de Lobo Antunes, uma jornalista da TVI foi fazer o cobrimento do lançamento e quando ela fez uma pergunta ao escritor sobre o dito livro, este em tom arrogante (o seu habitual) respondeu-lhe que a jornalista não estava apta a fazer-lhe perguntas, porque ela não tinha lido o livro ainda. Como resultado, não houve peça nenhuma no telejornal, pois a arrogância de certos escritores, tem como resultado a não divulgação do seu trabalho. Isto para que Júlio Magalhães explicasse que há escritores que auto-excluem-se, simplesmente, devido às suas maneiras de ser. Evocou o exemplo de A. Lobo Antunes também para responder a uma pergunta de Inês Pedrosa, que desta vez estava no papel de espectadora na plateia, mas não se incumbiu de se evidenciar (uma nova vez), perguntando porque os escritores (ela, digamos) não são convidados mais vezes a apresentar os seus últimos livros na tv (isto depois de ter relatado as suas reprovações e despedimentos em vários jornais, aos quais queria ter uma crónica ou que foi despedida por causas várias).
Esta temática foi muito extensiva e abordada de pontos divergentes, e claro, no fim e em tom conclusivo, todos assentiram que sim, que a influência pesa, e muito na compra ou escolha de um livro, pela parte do leitor.
Na Mesa 3 falou-se no poder da palavra e de maneira a poesia pode mudar a nossa vida. Os poetas João Carlos Abreu e Jaime Rocha falaram nesse poder e nessa mudança, em tom individual, respectivamente.
A [minha] grande revelação desta Mesa foi Fernando Pinto do Amaral. Este sublinhou que quando escreve poesia, tem de haver sempre tensão. A calma e felicidade não combinam com a produção de poesia, disse. Os outros convidados, Francesco Benozzo, Barry Wallentsein e Yang Lian, sendo eles de nacionalidades diferentes (italiana, americana e chinesa, respectivamente), divergiram as suas opiniões no que se refere à poesia.
Diana Pimentel, docente na UMA, foi a moderadora da Mesa 4, sob o tema «Éramos piegas e não sabíamos».
À volta da Mesa estavam sentados os escritores Valter Hugo Mãe, Joel Neto e Manuela Ribeira, e o docente e ilustrador madeirense Paulo Sérgio BEju. Este foi o painel de convidados que fizeram o público rir, pois a literatura também tem esta vertente de sátira, de brincar com as palavras. E o que foi dito?
O açoriano Joel Neto, que publicará este livro proximamente, foi o primeiro a fazer rir o amplo leque dos presentes na sala, dizendo que tinho muito gosto em participar na mesma sessão que o Valter Hugo Mãe; que o sucesso estava garantido; que podiam desligar as câmaras para ele. Depois saudou a organização [Booktailors e Nova Delphi] por terem o convidado a vir à ilha, uma «ilha quase tão bonita como a dos Açores», e claro que ninguém levou a mal.
Manuela Ribeiro falou da forma quase imposta a que foi submetida, por parte de Paulo Ferreira (um dos responsáveis pela Booktailors) para fazer parte da Mesa 4. A escritora ora cita Eça, ora cita Rui Rink, mas é através da leitura de um poema de Pessoa, na pessoa de Álvaro de Campos, que ela protagonizou um dos momentos mais brilhantes do dia.
Paulo Sérgio prosseguiu a «corrente de riso» usando palavras para legendar as imagens que foram projectadas, ora através de música, ora por meio de poesia. Não deixou a sua prestação terminar, não antes de evocar a Livraria Esperança, uma das maiores do Mundo, com sede no Funchal, dizendo que esta livraria «marca os livros», de uma forma pouco conveniente. (Abro parêntesis para dizer que nunca compro livros na dita livraria, pois sendo uma das maiores do mundo, deveria respeitar o objecto livro, o que, infelizmente não faz. Os livros não podem ser tratados como peças de roupa. Jamais).
Por fim, chegou a vez de Valter Hugo Mãe. Este começa por se desculpar não ter estado presente nas sessões anteriores, e por afirmar que sim, que é piegas e lamechas; que já chorou vendo novelas. Logo de seguida leu um texto dedicado a uma Grande Obra de Arte (este termo já é meu), que é a Casa das Mudas, situada na Calheta, e que foi desenhada pelo arquitecto Paulo David. Não sabia do gosto por arquitectura do escritor, e ainda por cima evocando a minha obra de eleição – na Madeira – de arquitectura comtemporânea.
Por fim, a mesa 5 terminou o programa do festival, sob o tema Éramos originais e não sabíamos. Francisco Fernandes moderou a sessão, em que um dos escritores que deveriam participar, não marcou presença: de seu nome Francisco José Viegas [Secretário de Estado da Cultura].
Com menos um participante a Mesa iniciou-se com as palavras de Graça Alves, que questionou os presentes se existia alguma diferença a nível de produção literária, entre os escritores que vivem na ilha e os do continente.
A palavra seguinte pertenceu ao crítico literário (o conhecido Bibliotecário de Babel) José Mário Silva (que gentilmente autografou-me um dos seus livros). Ripostando o que tinha sido dito por Graça Alves, o crítico literário crê que podemos «reinventar o que foi feito para trás [a nível literário], mas adaptando à realidade actual». Depois leu um texto do escritor Enrique Vila-Matas, um dos autores que tem acompanhado literalmente. Sublinha José Mário Silva que «a originalidade não deve ser uma preocupação do escritor», pois desde o momento que um autor tem essa preocupação eminente, a originalidade tende a perder-se.
A escritora cubana Karla Suárez foi a última a transmitir os seus pensamentos sobre os clássicos, e se se estes podem influenciar o que o escritor produz. Contou a sua história de adolescência, e de que maneira os livros mudaram a sua percepção de ver e escrever também livros.
Francisco Fernandes conclui que o escritor é um baú de livros que tem dentro de si, que vai preenchendo durante o seu caminho, e que o importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de escrever.
O festival encerrou as cortinas. Vim para casa e divaguei nos meus pensamentos. Concluí duas coisas. Uma. De facto, já sabia que ser madeirense é um orgulho. Segunda. Ler é o melhor que se pode fazer...