A partir do próximo dia 9 de Maio estará nas livrarias o seu mais recente livro: O Lugar das Coisas, editado pela Esfera do Caos. Fale um pouco sobre o livro.
O Lugar das Coisas é o meu sétimo livro e o terceiro de poesia, em pouco mais de um ano… Posso utilizar palavras que não são minhas para falar do meu próprio livro? (risos) É que na contracapa de O Lugar das Coisas vão aparecer palavras do escritor Luís Miguel Rocha que, a meu ver, definem na perfeição este meu novo livro. Eis as palavras do Luís Miguel Rocha: “Em O Lugar das Coisas cabemos todos, criados pela voz singular de Miguel Almeida, que nos recria até ao âmago da alma e onde, mais puros, perdemos a inocência. Um livro de poesia e de vida, de humanidade e mundanidade, que nos coloca no lugar e nos acorda dos autómatos em que nos tornamos.”
Por muito que tentasse, poderia dizer de maneira diferente, fazendo uso de outras palavras, mas penso que não iria conseguir dizer melhor. Ainda assim, em poucas palavras, eis como entendo este meu novo livro de poesia: espaço de comunicação e comunhão, O Lugar das Coisas alimenta-se da palavra do que somos, como seres vocacionados para a alegria, o amor e a felicidade. Espaço de solução e consolação, O Lugar das Coisas é como um Sol no centro da vida, numa demanda de valor e sentido para existir e ser vivida.
Qual a temática predominante n’O Lugar das Coisas?
O Lugar das Coisas contém 100 poemas, agrupados em 10 capítulos, com 10 poemas cada. Cada capítulo tem um título, que procura agrupar por critérios de afinidade os 10 poemas no seu interior. Para além disso, cada capítulo é antecedido de 10 “pequenos poemas” de 3 versos, uma espécie de haikus, que de certa maneira servem para “dar o mote” para a leitura dos poemas. Já se trata quase de uma matriz que utilizo nos meus livros de poesia. Voltando aos capítulos de O Lugar das Coisas… Nesses “agrupamentos” de 10 poemas há títulos como “Origem”, “Criação”, “Ser Poeta”, “Dons & Deveres”, “Palavras & Silêncios”, “Artes & Ofícios”…Antes de apresentar este trabalho para publicação à Esfera do Caos Editores, o nome que eu tinha no ficheiro do meu computador era Ars – Ad Usum Poetae. E é disso que se fazem os poemas de O Lugar das Coisas: trata-se de assumir o ponto de vista da arte, aqui quase sempre sinónima de poesia, para falar das coisas mais simples e essenciais da vida, como sejam aquelas que envolvem o sonho e a alegria, o amor e a felicidade, agora e sempre, o desejo de transcender o real. No fundo, neste nosso mundo, dito desencantado, por fora tão deslumbrante e rico de promessas, mas tão desolado e vazio por dentro, o objectivo é o de escrever sobre os lugares onde se pode enraizar a esperança que nos permite ser e viver.
É
essencialmente um escritor de poesia e de contos. Podemos esperar num futuro
próximo um romance seu, ou é de todo impensável?
Aí está uma pergunta que já me fizeram várias vezes:
amigos, amigos que também são escritores e, sobretudo, leitores. Talvez por
isso, trata-se de uma pergunta fácil e difícil de responder. Fácil, porque a
resposta é sempre a mesma: escrevo contos e sobretudo poesia por vocação, mas
também devido aos condicionalismos pessoais e profissionais que tenho na minha
vida. Sou marido, pai e filho, e essa situação deixa-me pouco tempo para
dedicar à escrita. Para além disso, também sou professor, o que me rouba muito
do pouco tempo que tenho e gostava de dedicar à escrita. A vida é feita destes
condicionalismos e é com eles que temos que conviver…
Muitas vezes não nos damos conta disso, ou damos, mas
não lhe atribuímos a devida importância: o tempo é um recurso, é talvez dos
recursos mais valiosos que nós temos. E a verdade é que é por causa dele, da
falta dele, entenda-se, que ainda não publiquei um romance.
À parte as dificuldades intrínsecas do fazer, escrever
um romance exige uma disponibilidade mental e sobretudo de tempo, tempo que
infelizmente não tenho. É com aquilo que temos, que fazemos aquilo que fazemos
ou deixamos por fazer. Daí os contos. Daí, também, a poesia. Daí, ainda, não
ter escrito até agora um romance.
Nos contos e na poesia, escrevo e largo, e quando
depois regresso é relativamente fácil recuperar o lugar onde tive que largar o
trabalho. Já num romance… Largar, ter que largar um trabalho que está começado,
é muito complicado.
Também disse acima que se tratava de uma questão
difícil de responder… É que eu gostaria de dar uma resposta diferente, até
porque sinto que quem me pergunta por um romance já está à espera dele. Mas a
verdade é que não tenho tempo para escrever um romance. Talvez um romancezinho…
(risos)
Agora a sério. Tenho alguns projectos de romance
iniciados, alguns até já numa fase bastante adiantada, com vários capítulos
escritos e até com indicações claras daquilo que há para fazer naquilo que ainda
falta escrever. Mas o tempo, entenda-se, a falta dele…
Daí a dificuldade para responder à questão… É que é difícil
conviver com a frustração, porque é disso mesmo que se trata, de ter algo para
fazer que não se consegue realmente fazer. É um pouco como conviver com aquela
situação ingrata que Friedrich Nietzsche atribui ao filósofo: uma espécie de
burro, que nem se consegue aliviar da carga que transporta nem a consegue levar
até ao destino. Por questões de formação e também de profissão, estou ligado à filosofia,
mas neste particular tenho sabido pôr de lado a carga que não tenho conseguido
carregar, felizmente para mim, felizmente, também, para as outras vertentes da
minha escrita, como os contos e sobretudo a poesia.
Que papel ou
peso tem a poesia na sua vida?
A poesia na minha vida é sobretudo um modo
privilegiado de expressão. Os Clã têm uma música que se chama “problema de
expressão”, que a Manuela Azevedo resolve com a sua forma muito peculiar de se
exprimir. (risos) Adoro os Clã, a Manuela Azevedo e esta música em particular.
Seguindo o trilho dos Clã, poderia dizer que a poesia me serve essencialmente
para resolver os meus “problemas de expressão”. Mas também serve propósitos de
interpelação e reflexão, voltadas para mim, voltadas para os outros, voltadas para
a relação (ou a falta dela) com os outros, voltadas para tudo aquilo que nos
envolve e rodeia. Nesta perspectiva, a poesia é um local de encontro, de mim
comigo próprio, de mim com os outros, de mim com a minha própria vida. A nível
estritamente pessoal, a poesia também é um espaço de realização e de conquista
constante de um (re) equilíbrio. Mas essas são outras questões…
Qual
a finalidade da poesia? É possível defini-la em uma única palavra?
A finalidade
da poesia?... A poesia é uma arte, como tantas outras artes. Nesta perspectiva,
a finalidade da poesia é a mesma de tudo aquilo a que genericamente chamamos
“arte”: cabe-lhe interpelar a vida, numa demanda constante de sentido e
significado. Numa só palavra, para mim a poesia é Vida, com tudo aquilo que
essa palavra possa ser ou significar.
Quais os
seus escritores de eleição?
Escritores de eleição… Poetas, muitos, quase todos,
sem distinguir sequer entre clássicos e não clássicos, entre antigos e
modernos. Na prosa de ficção, alguns, não tantos quanto os poetas… Truman
Capote, nos contos, pelo estilo, mas não só. Quanto ao resto, Somerset Maugham,
pela fluidez narrativa, mas não só. Miguel de Cervantes, por El Quijote. Mia Couto, Gabriel García
Marques, todos os que indiquei e muitos dos que não indiquei, pela inspiração
constante, mas também pela saudável inveja, misto de gratidão e admiração,
pelas obras que nos deram a ler e que gostava de ter sido eu a escrever.