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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Entrevista a Tânia Ganho


Coimbra foi a cidade que viu nascer Tânia Ganho em 1973.
A escritora já viveu em Paris, Londres e Hamburgo, mas é em Lisboa que se sente em casa. É também tradutora de autores como John Banville, Alan Hollinghurst, David Lodge, Sam Bourne, Agatha Christie, entre outros.

É autora dos romances A Vida Sem Ti (Oficina do Livro, 2005), Cuba Libre (Oficina do Livro, 2007) e A Lucidez do Amor (Porto Editora, 2010). 
O seu mais recente livro, A Mulher-Casa, é lançado hoje e tem a chancela da Porto Editora.

Texto: Miguel Pestana
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A primeira, do rol de perguntas que preparei para a Tânia, é sobre a sua infância. Que memórias guarda dessa fase?
Guardo recordações muito felizes da infância: os dias passados no jardim-escola João de Deus de Coimbra, onde fiz amizades que duram até hoje; as aulas de inglês na International House, que me provocaram grandes ataques de riso incontrolável; as festas com a criançada toda do prédio onde vivíamos; os passeios com a família no Jardim Botânico e no Choupal; andar à caça de borboletas em Vale de Canas com o meu pai; os lanches com a minha mãe e as minhas tias; os Verões na Madeira. Também me lembro de muitos momentos de choro, porque era demasiado sensível e introvertida, e os outros miúdos troçavam de mim por usar óculos e me fechar no quarto a ler e a escrever diários.

Aos 12 anos, ganhou o 1º prémio num concurso nacional de contos. Foi nessa altura que decidiu seguir o caminho das Letras?
Foi nessa altura que tive uma professora extraordinária que me incentivou a escrever contos para partilhar com os colegas nas aulas e, portanto, tomei consciência de que a escrita podia ser um acto público e não apenas um gesto privado. Foi essa mesma professora que submeteu uma das minhas histórias ao concurso que acabei por ganhar, por isso devo-lhe muito – ajudou-me a identificar a minha paixão pelas Letras. 

No ano transacto, um conto seu venceu o 1º prémio, não de um concurso nacional, mas internacional (Concurso de Contos Cidade de Araçatuba, Brasil), em que escritores de todos os países lusófonos concorreram. O que significou para si este reconhecimento?
Foi uma porta que se abriu num momento da minha vida em que eu precisava de alento, não para continuar a escrever – porque hei-de escrever sempre –, mas para continuar a publicar. O reconhecimento dos nossos pares e, acima de tudo, dos leitores é sempre reconfortante. 

Um avanço de 26 anos separa esses dois «marcos» na sua vida. Consegue traduzir concisamente o seu curriculum vitae-profissional desse hiato?
Experimentei todos os ramos da tradução técnica até me especializar em tradução literária; traduzi mais de cinquenta livros, incluindo de autores que admiro muitíssimo; dei aulas de tradução na Universidade de Coimbra; dei aulas de português para estrangeiros em Londres; fiz legendagem de filmes; trabalhei na redacção da SIC; fui redactora de uma revista de música para adolescentes; publiquei três romances.

Outro seu conto de cariz autobiográfico A Casa dos Relógios Parados, faz reminiscência às suas estadas na ilha da Madeira. Foram bons tempos, esses?
Foram tempos magníficos que partilhei com os meus tios e primos: os acampamentos no Paúl da Serra sem ver vivalma num raio de quilómetros; as espetadas no Pico do Areeiro seguidas de uma chuva de estrelas, deitados no capô dos carros; o arroz de marisco do Porto Moniz a ver as ondas galgar a Estrada; os passeios na serra ao longo das levadas e ribeiras geladas que me deixavam sem ar; as tardes no Clube Naval a ouvir os mexericos todos da ilha; os mergulhos clandestinos no mar à meia-noite; os primeiros namoricos de Verão, a primeira ida a uma discoteca…

«De dia sou tradutora, de noite escritora.» A frase é sua e apontei-a. Pergunto-lhe se arranja tempo para ser mãe, esposa, filha, amiga..?
Todos nós arranjamos sempre tempo para aquilo que nos apaixona e equilibra. O meu filho é, obviamente, a minha prioridade e organizo a minha vida em função dos horários dele: traduzo quando ele está na escola e escrevo quando ele dorme. Falo com os meus pais e os meus irmãos quase todos os dias, por prazer e não por hábito, e, por sorte, tenho amigos muito compreensivos, com quem criei, ao longo dos anos, uma relação que assenta mais no contacto escrito do que na presença física – escrevemo-nos muito, quase todas as semanas, e falamos ao telefone, porque não tenho muita disponibilidade para sair. São amizades verdadeiras, que sobrevivem a mudanças de país, casamentos, divórcios, falta de convívio. Dou cada vez mais valor às pessoas que fazem parte da minha vida.

Define-se também como uma leitora compulsiva. O seu dia tem 48horas? (risos)
Infelizmente, não e a leitura tem sido relegada para a noite, porque durante o dia não tenho tempo para me sentar a ler, a não ser o autor que estou a traduzir.

A Tânia Ganho é tradutora-escritora ou escritora-tradutora?
Sou uma escritora que ganha o sustento como tradutora, para poder continuar a escrever apenas aquilo que lhe apetece, quando lhe apetece. 

Quando termina de escrever ou traduzir um livro, a sensação é a mesma?
Não, a única sensação comum é o alívio por ter acabado uma tarefa, mas a escrita é visceral, mexe muito com as minhas emoções e inseguranças, enquanto a tradução é um trabalho puramente intelectual, por mais que o livro me comova ou, pelo contrário, me desagrade.

Em Dezembro de 2011 a Tânia esteve num Estabelecimento Prisional. Quer defender-se? (risos)
O meu filho, que na altura tinha cinco anos, perguntou-me várias vezes, aflito, se no fim os guardas me deixavam sair da prisão. (risos) Confesso que, nesse dia em que estive em Caxias, voltei para casa muito abalada, porque as histórias que ouvi me comoveram profundamente. Dentro de pouco tempo, vamos avançar com o projecto do clube de leitura, uma vez que há grandes leitores em Caxias e, acima de tudo, homens para quem os livros são uma verdadeira tábua de salvação. 


O seu novo livro A Mulher-Casa está nas livrarias de todo o país a partir de hoje. Que pode o leitor esperar deste romance?
Uma história de paixão, em que uma mulher quebra todos os votos conjugais e regras protocolares para se entregar a uma aventura com um homem mais novo, de uma classe social diferente da sua, porque se sente “abandonada” pelo marido. É a história de Mara, em busca da sua identidade enquanto mãe e do seu prazer enquanto mulher, e a relação de amor-ódio que ela estabelece com a cidade de Paris.

3 comentários:

  1. Não li nenhum livro da autora, mas gostei bastante de a conhecer nesta tua entrevista.
    Admiro muito o trabalho de tradução, uma profissão que em miúda me cativava.
    Fiquei curiosa em relação ao conto A Casa dos Relógios Parados. Quando tiver um tempinho vou querer lê-lo com calma no link que disponibilizas. ;)

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  2. Gostei bastante. Entrevista muito bem planeada e conseguida.

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  3. Gostei muito da entrevista a Tania Ganho e estou muito curiosa para conhecer o seu novo livrinho =)

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