Editora: Coisas de Ler
Ano de Publicação: 2005
Nº de Páginas: 110
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Foi por Miguel que Lia alterou os seus hábitos e, por conseguinte, os da sua vida; tinha então 21 e ele 31 anos. Foi com o pensamento nele que escreveu numa folha do seu diário, entre um cigarro e outro, e já ela com 28 anos: «Desde o momento em que apareceste na minha vida até ao que dela te levou a sair, só me correram mal as coisas.» (p. 15)Miguel escrevia textos em várias publicações e, sabendo por um amigo em comum dele e de Lia, que ela desenhava, ele perguntou em tom de brincadeira se Lia não gostaria de ilustrar alguns dos seus textos. Assim formou-se uma amizade e logo depois um relacionamento. Miguel tinha em comum com Lia a sensibilidade, ele mais ligado às Letras, em especial à poesia. Miguel lê Eugénio de Andrade e Irene Lisboa. Lia, embora tenha gosto por literatura é nas Belas Artes que ela sente-se bem à vontade: «Sempre me conheci deste modo, entre livros da Tashen, exposições de pintura, escultura, fotografia (…).» (pp. 47-48)A protagonista deste romance que intercala dois tempos narrativos – descritos acima – é desenhadora e pintora; é uma mulher sensível, de índole fragmentada, corrompida pelos acontecimentos que abalaram o seu relacionamento amoroso com Miguel. É este o retrato de Lia. É com este semblante denegrido, amargurado, não com o ex-namorado, mas com o alento com que a sua existência a gui(n)ou, que a protagonista se entrega à solidão, à solidão mais pesarosa, aquela que a corrói mais, aquela que a ofusca quando Lia está na presença de amigos, mas sentindo-se perdida e desamparada. Ela encara a vida de uma maneira vil, sem força emocional para seguir em frente e reerguer-se: «Todos os dias paro sem naufragar nem seguir em frente.» (p. 70). Neste entremeio Lia entrega-se à pintura como forma escapatória, qual eremita no seu «(…) pequeno quarto nas águas furtadas de vivenda suburbana.» (p. 22)O fruto do seu talento para as artes está patente nas paredes do seu quarto. A sua arte fala, através das cores, das formas das protagonistas das suas telas.Há sentimento de nostalgia em Lia e essa emoção é explícita no seu reencontro com Miguel, ocasionalmente, após a separação, em que Lia sente «(…) asas de borboletas agitando-lhe o peito, descendo ao estômago, esvoaçando até à garganta (…).» (p. 59)Guida e Clara são as amigas que dão um empurrão à vida de Lia, incentivando-a a esquecer o passado. Os pais de Lia, Leonor e Manel são – no epílogo do romance -, através dos diálogos que têm entre eles sobre a educação que deram à filha, quem dão a conhecer ao leitor o traço completo da personalidade da artista. O pai é um homem conservador, que culpa o estado emocional da filha à mulher, que sempre a protegeu. Nas pinturas de Lia ele vê: «(…) mulheres estranhas, olhares tristes, vazios de emoção, lábios entreabertos como se quisessem dizer alguma coisa.» A mãe responde: «Aquelas mulheres todas dizem muito, gritam todas (…) Elas todas falam de solidão.» O pai novamente: «A Lia andou sempre sem fazer barulho no mundo.» (pp. 100-101)Mágoas Furtadas é um romance (in)conscientemente inacabado, tal como uma qualquer tela pintada pela protagonista. Será que sabemos quando uma pintura está verdadeiramente acabada?Com frases bem delineadas, tem apetrechadas, uma sintaxe bem estruturada, não reveladora do centro do romance, nem a priori, nem a posteriori. Simplesmente não existe um centro aparente. A autora joga o dado mas camufla do leitor algumas faces, o que faz com que cada leitor elabore a sua própria versão do que terá acontecido ao casal para que eles se tenham desunido.A autora pinta este romance com o seu pincel próprio e o resultado da obra é abstracto.Uma marca da autora revela-se no uso de diminutivos quase excessivamente ao longo do romance: «Sofiazinha», «caderninho», «pedacito»; «menininhas»; «cisnezinho»; «banquinho», etc.Com já salientei, a história é contada em dois tempos e, é precisamente a falta de transição de um tempo para outro que causa certa confusão ao leitor.Um livro de leitura célere, tendo em conta as cento e poucas páginas que constituem Mágoas Furtadas, romance de estreia – e único até à data – da autora descendente de dois grandes vultos da literatura contemporânea portuguesa. Inês Tavares Rodrigues marcou estreia literária na Coisas de Ler – e nesta traduziu O Erro da Humanidade, de Friedrich Nietzsche.
6 comentários:
A capa é atractiva! Que não sejam furtadas as expectativas em relação ao conteúdo.
Parece um livro bastante interessante, gostava de ler
Boas leituras
ofereci esse livro a minha namorada e ela adorou!
Um livro para pensar, reflectir e não esquecer. Segue a história dentro do eu de cada um@ ou apenas uma parte de cada uma@ de nós. Talvez demasiado real ou sentido. Estar só ou sentir-se sozinh@?
Pelo que li, parece um livro bastante interessante.
Já me disseram muito bem deste livro, vai ser uma compra obrigatória neste natal!
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