Editora: Minotauro
Data de publicação: 01-06-2023N.º de páginas: 604 |
O segundo livro da escritora e poetisa inglesa Charlotte Brontë (1816-1855), conta a dramática e romântica história de duas jovens mulheres emancipadas para o seu tempo: Caroline Helstone e Shirley Keeldar, que embora tenham recebido educações diferentes e vejam o mundo por ópticas divergentes, se assemelham em tudo o quanto está relaccionado com os desígnios do amor.
Tendo como pano de fundo o condado de Yorkshire, a acção da história desenrola-se na década de 1810, num dos períodos mais sombrios da história da Inglaterra, tempo esse onde os efeitos da Revolução Industrial fazem-se sentir principalmente pelos operários fabris, que são substituídos pelas máquinas, dando azo à miséria, à revolta e ao ódio, principalmente contra os patrões das fábricas, que preferem ter menos mão-de-obra e mais receitas. É o caso de Gérald Moore, um comerciante e produtor têxtil, cuja fábrica fica na iminência de fechar portas, por causa da guerra, que estava no seu apogeu. Este homem «abominável» é primo de Caroline, uma jovem tímida, pacata e frágil fisicamente e emocionalmente, que vive com o tio, o conservador Sr. Helsytone.
Até cerca de centena e meia do romance, a autora apresenta uma das histórias de amor que para a obra delineou, os seus intervenientes e o dilema que se impõe para que essa paixão não se consuma, a priori. Outros dois personagens são chamados para elencar e protagonizar a segunda história de amor (que se entrelaça com a primeira) do romance: Shirley e Louis Moore.
Enquanto que Caroline é órfã e sem posses, Shirley (que só é apresentada ao leitor após folheadas 200 páginas, embora ela seja a personagem-título) é herdeira de uma vasta fortuna, que inclui terrenos e propriedades dispersas um pouco por toda a redondeza. Shirley é uma mulher excêntrica, teimosa e que não tolera a hipocrisia, o que lhe custará a inimizade de senhores da nata da sociedade e do clero. Estas duas heroínas, que logo se tornam amigas íntimas, se apoiam mutuamente como duas irmãs e enfrentam as vicissitudes que o destino lhes impõe.
Traduzido para português por Telmo Rodrigues, este é um romance narrado na terceira pessoa, por uma voz omnipresente que interage com o leitor ao longo da história. Expressões como «… parece-me, leitor, que…» e «Se esperas, leitor, achá-lo…» são exemplos de que a leitura é dinâmica e interactiva.
Charlotte, a mais velha das três irmãs Brontë, apresenta uma escrita fluida, sagaz e que não apresenta grandes dificuldades para acompanhar a trama. Uma das qualidades da sua escrita, que é seu apanágio, é a apresentação física e de carácter detalhada de todos os personagens que introduz na história e a relevância que incumbe em cada um deles para o bom entendimento da história. Ao finalizarmos a leitura, percebemos que cada um luta para encontrar a sua posição, cada um à sua maneira, numa época de grandes mudanças que foi a Oitocentista, onde imperava as desigualdades entre classes e géneros.
Shirley (também traduzido sob o título Caminhos do Amor em outras edições), publicado em 1849 (dois anos após Jane Eyre, a sua magnum opus) e adaptado para o cinema em 1922, revela-se uma leitura cativante e enriquecedora.
Uma curiosidade: enquanto Charlotte Brontë escrevia Shirley, três dos seus irmãos morreram: Branwell (em Setembro de 1848), Emily (três meses depois) e Anne (em maio de 1849).
Excerto
«Nada me aflige tanto como a ideia de ser um fardo e um frete, um inevitável fardo, um frete incessável! Agora, quando sinto a minha companhia supérflua, posso facilmente envolver-me na minha independência como um manto, deixar cair o meu orgulho como um véu e retirar-me para a solidão.» (pp. 206-207)
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