O Fogo-Fátuo
de Drieu la Rochelle
Tradução: Aníbal Fernandes
Edição: Sistema Solar | Julho de 2016
Número de páginas: 160
O suicídio
vingança antiga
eterna
o gesto do vencido
que ao vencedor
atira o seu sangue.
O Fogo-Fátuo imagina Jacques Rigaut nos seus últimos dias de vida, através de sete encontros com pessoas das suas relações que lhe fazem sentir, de diferentes formas, uma eficiente cumplicidade com o mundo, nenhuma com lugar possível entre as dúvidas e as certezas do seu percurso de homem belo mas pouco hábil no amor, de escritor falhado, de um não resistente às seduções da heroína, de um ser ferido pela incapacidade de amar e se fazer amar.
O Alain de La Rochelle atravessa as suas páginas em luta contra alguns demónios; os de uma medíocre eficiência sexual, cada vez menos desculpada perante o decréscimo dos seus atributos físicos, o do medo de um envelhecimento que lhe recuse a protecção de mulheres ricas, única forma que conhece de suportar o mundo e a vida. E por causa de tudo isto ouve-se, desde a primeira página, o estampido de um tiro final.
Será inútil querer encontrar um qualquer conteúdo político em O Fogo-Fátuo. O seu Rigaut, aqui chamado Alain, brilha e apaga-se como a chama dos pântanos na noite de Paris povoada por seres que ele não consegue prender nem chamar à sua necessidade de afecto.
A sua maior contradição – de um pequeno-burguês com supremas exigências de elegância, e do dinheiro que essa elegância necessita para se fazer mostrar numa sociedade que ele, por outro lado, despreza – fá-lo arrastar-se por uma solidão armada com espinhos interiores. Ela não lhe consente encontrar razões para viver, e apenas lhe denuncia a mentira daqueles que o rodeiam. Alain sente como única solução o suicídio, recurso dos homens com a mola roída pela ferrugem, a ferrugem do quotidiano. Eles nasceram para actuar mas retardaram a acção, e a acção volta por ricochete a atingi-los. O suicídio é um acto, o acto dos que não conseguiram levar outros até ao fim.
A obra literária [de Drieu la Rochelle, Paris, 1893-Paris, 1945] soube resistir ao limbo imposto, por decência política e patriótica, aos colaboracionistas da ocupação da França pelos nazis. Mas passado um período de nojo e temor, os editores franceses relembram-no e mantêm-no generosamente disponível nos seus catálogos; hoje ele é, sobretudo, o autor dos contos de La Comédie de Clarleroi (1934) – Marcel Arland: «Tenho-os pela sua obra-prima»; é o autor de Gilles (1939) – François Mauriac: «É um livro importante, essencial, verdadeiramente carregado com um terrível peso de sofrimento e erro.», uma das suas obras maiores e literariamente mais ambiciosa (o mais anti-semita dos romances franceses?); é o autor deste célebre O Fogo-Fátuo (1931) – Bernard Frank: «Acho-o o melhor livro de Drieu». [Aníbal Fernandes]
Dito em Voz Alta
Entrevistas sobre literatura, isto é, sobre tudo
de Manuel António Pina
Organização: Sousa Dias
Edição: Documenta | Junho de 2016
Número de páginas: 224
A literatura nunca deixou de ser, na minha escrita, possível, mas a palavra literária (a palavra poética) ter-se-á esgotado excessivamente a convocar o ser e o mundo (a ser ser e mundo) e terá, a certa altura, caído em si, percebendo que talvez se tivesse negligenciado como instância, também, e mais modestamente, de nomeação do ser e do mundo, e experimentando então «saudades da prosa». Mas tenho, de facto, consciência de que, desde Cuidados Intensivos (ou, talvez antes, desde Farewell Happy Fields), existe na minha escrita uma espécie de reconciliação com a literatura (com a poesia), que passa tanto pela aceitação dos seus processos como da sua memória.
Um dos últimos poemas que escrevi fala das «minhas últimas palavras», aquelas que, «por cansaço, por inércia, por acaso», foram ficando, e com quem, agora, «como velhos amantes sem desejo» desfio memórias.
[Manuel António Pina]
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