Editora: Temas e Debates
Data de publicação: 07/07/2022 N.º de páginas: 320 |
A perda faz parte da vida.
Numa cultura que valoriza a positividade em detrimento da verdade emocional, segundo o seu código social, tácito, é suposto dizermos que "está tudo bem", e disfarçar quaisquer sinais de tristeza ou fracasso. Somos ensinados desde muito cedo a fazer troça das nossas próprias lágrimas (“choramingas”, “os homens não choram”) e, depois, a admoestar os nossos pesares durante o resto das nossas vidas. Contudo, nenhuma pessoa está invulnerável à doença, às desilusões (familiares, amorosas, profissionais, etc.) e ao luto.
Uma investigação sobre repressão emocional, da psicóloga sul-africana Susan David (autora de Agilidade Emocional), mostra que, quando as emoções são afastadas ou ignoradas, tornam-se mais fortes. A realidade é que aqueles com são dotados de uma orientação agridoce têm que aprender a viver por inteiro numa sociedade que menospreza a tristeza e a nostalgia.
No seu novo livro, a autora de Silêncio - O poder dos introvertidos num mundo que não para de falar, aborda a direção melancólica a que chama “agridoce”: uma tendência para estados de nostalgia, angústia e pesar. No cerne do livro está a ideia de transformar a dor em criatividade, transcendência e amor.
Relatando conversas que teve com investigadores das áreas da Psicologia, Neurociência, etc., com pessoas que passaram por estados profundos de nostalgia (como uma profícua violinista), descrevendo palestras a que foi (como oradora e como uma pessoa do público), idas a retiros, e desvendando um pouco sobre a sua vida pessoal (como um grande desentendimento que teve com a sua mãe quando era adolescente), Susan explica ao leitor a razão por que devemos aceitar as emoções negativas – em vez de a reprimirmos.
Uma das investigações que a autora aborda no livro, em que, entre outros, o neurocientista António Damásio esteve envolvido, conclui que «as melodias nostálgicas ajudam os nossos corpos a alcançar a homeostasia»; que «apenas a música triste provoca estados exaltados de comunhão e deslumbramento».
Cain explora também como podemos transformar as tristezas e as nostalgias que herdamos das gerações que viveram antes de nós: «não só a dor pode durar uma vida inteira, como pode durar muitas vidas.»
Por que razão a criatividade está associada à nostalgia e ao pesar? Como podemos viver e trabalhar com autenticidade numa cultura de positividade forçada? A resposta a estas e outras questões estão nas páginas de Agridoce, um trabalho de pesquisa exaustivo sobre um assunto fascinante mas pouco abordado. Salientar que este livro contém um questionário para o leitor saber qual o seu nível de “agridoçura”.
Excertos
«Se a tristeza não fosse vista pela sociedade como algo ligado à fraqueza, à vulnerabilidade, talvez pudéssemos vê-la – em vez de sorrisos forçados – como a ligação de que necessitamos para nos ligarmos uns aos outros.»
«O pesar e as lágrimas são um dos mais fortes mecanismos de ligação que temos.»
«O agridoce é também o reconhecimento de que a luz e a escuridão, o nascimento e a morte (…) andam sempre a par. (…) A tragédia da vida está inexoravelmente ligada ao seu esplendor».
«Fomos ensinados a pensar nas nossas feridas psíquicas e físicas como irregularidades nas nossas vidas, desvios de como as coisas deviam ter sido; por vezes, como fontes de estigma. (…) os estados mais elevados – de deslumbramento e alegria, assombro e amor, sentido e criatividade – emergem desta natureza agridoce da realidade. Experimentamo-os, não por a vida ser perfeita – mas por não ser.»
«Viver num estado agridoce, com uma intensa consciência da fragilidade da vida e da dor da separação, é uma força subestimada e uma inesperada via para a sabedoria, a alegria e, em especial, a comunhão.»
«Não devemos fingir que o desgosto desaparece. Por muito que a vossa cultura vos diga para sorrirem»
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