É um dos autores de Língua Portuguesa mais lido de sempre. Os seus livros já venderam mais de 30 milhões de exemplares somente no Brasil e algumas das 48 obras que já publicou encontram-se traduzidas em dezenas de idiomas.
O conceituado psiquiatra, psicoterapeuta e investigador Augusto Cury esteve recentemente em Lisboa e no Porto onde ministrou duas palestras motivacionais sob o tema ‘Gestão da Emoção, como ter qualidade de vida na era da ansiedade.’
A sua passagem por Portugal terminou com a sua presença na Feira do Livro de Lisboa, onde os leitores lusos poderam conhecê-lo pessoalmente e levar para casa livros autografados, com destaque para O Homem Mais Inteligente da História, o título do seu livro mais recente publicado por cá pela Editora Pergaminho. Nesta entrevista exclusiva para o Silêncios que Falam, o cientista brasileiro revela a razão por que este romance é considerado por si como o mais importante da sua carreira.
Afirma que o seu grande ofício e paixão é a escrita e entre vários conselhos e advertências, diz-nos que «Devemos administrar nossos pensamentos para não nos tornarmos escravos deles».
Sobre como evitar a propagação do jogo Baleia Azul, Cury é peremptório a afirmar que «É necessário que os pais criem pontes com os filhos, jamais permitindo que estes se isolem em suas ilhas emocionais.»
Texto: Miguel Pestana | Fotos: DR
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Em que fase da sua vida, o fascínio pela mente humana foi despoletado?
Desde criança sempre quis ser médico e cientista, descobrir coisas que as pessoas não sabiam, desvendar mistérios, ir além. Mesmo sendo um péssimo aluno quando eu era criança, com notas baixas e desacreditado por todos, eu mudei essa realidade. Eu precisava me disciplinar para buscar os meus sonhos, por isso, estudava mais de 12 horas por dia para entrar para a faculdade de Medicina. Me formei em Medicina e me especializei em psiquiatria.
Depois de passar por um quadro depressivo, decidi investigar todas as peculiaridades da mente humana para entender toda a sua complexidade. Queria investigar o processo de construção dos pensamentos.
Queria expandir a ciência e humanizá-la, e por conta dos meus estudos acadêmicos, comecei a escrever. A cada descoberta, fazia meus registros, e por incrível que pareça, na adolescência não gostava de escrever, mas nesse momento eu adorara. Me descobri escritor, fazia anotações onde quer que estivesse. Depois que saí da capital e fui para o interior, passei a escrever mais de 20 horas por semana. E escrevo até hoje, é meu ofício e meu prazer.
Há muitos anos que o Doutor Augusto Cury investiga o comportamento e mente humanos. Esse é um trabalho sem termo, suponho, dado a sua complexidade.
Sim, tem razão. Estudo essa teoria a cerca de 30 anos, dada a complexidade que envolve a mente humana. Quanto mais me debruço em estudos, mais descobertas eu faço.
Qual a doença mental que actualmente mais prevalece no Brasil?
Posso dizer que essa doença não é privilégio apenas do Brasil, mas sim do mundo todo: a Síndrome do Pensamento Acelerado. Costumo dizer que essa enfermidade é o mal do século pois hoje atinge mais de 80% da população de todas as classes sociais. Uma das principais características da Síndrome é a velocidade exagerada dos pensamentos que está fazendo com que adultos, crianças e adolescentes fiquem esgotados mentalmente, de uma forma que nunca aconteceu antes.
Nesta era tecnológica, o excesso de informação e de estímulos é um dos grandes causadores de ansiedade?
Certamente. Esse mundo hiperconectado, quando todos estão o tempo todo recebendo estímulos através de tablets, computadores, videogames, smartphones, excesso de atividades, faz com que o número excessivo de informações deixem nossa mente sobrecarregada, cansada e contribui para o desenvolvimento de alguns tipos de ansiedade como: transtorno obsessivo compulsivo (TOC), a síndrome de burnout, síndrome do pânico, entre outras. Mas a ansiedade produzida pela SPA é mais abrangente, contínua e desenvolve diversas outras consequências como: mente inquieta ou agitada, insatisfação, cansaço físico exagerado, sofrimento por antecipação, impaciência (queremos tudo rápido), déficit de concentração e de memória, entre muitos outros. É muito triste ver que hoje as pessoas não conseguem ter um tempo consigo mesmo, se interiorizar.
O tratamento para curar essa síndrome é justamente esse. Buscar o seu Eu, ter uma relacionamento sério com ele, precisamos nos autoconhecer e aprender a gerenciar nossas emoções. Devemos administrar nossos pensamentos para não nos tornarmos escravos deles, evitar sofrer por antecipação. Só dessa forma seremos capazes de, primeiro construir uma relação saudável conosco, para depois construir relações saudáveis com todos a nossa volta.
Para umas pessoas, a ansiedade pode ser benéfica, no sentido em que é potencializadora de criatividade, de empreendedorismo. Noutras pessoas, a ansiedade necessita de ser controlada através de fármacos. Cada pessoa reaje de forma diferente à ansiedade?
Sim, a ansiedade é benéfica quando ela é algo motivador, em que impulsiona a pessoa para a ação transformadora em sua vida. Mas raramente ela é apenas isso. Ficar ansioso em qualquer situação é sofrer por antecipação por algo que ainda não aconteceu. É como se projetássemos a dor e o estresse antes dele chegar e, assim, ele só toma proporções maiores do que realmente tem de verdade. Isso é sofrer duas vezes. Um dos sintomas da ansiedade é pensar em excesso, outra coisa que não funciona, não é bom, afinal, não somos uma máquina de pensar. Pensar em excesso significa um cérebro abarrotado de informações, tantas que ele não consegue dar conta. Esse excesso é prejudicial para nossa saúde psíquica, pois quanto mais atividades temos, mais irritados e estressados ficamos, além de não ter tempo para refletir sobre os acontecimentos. Precisamos aprender a respeitar o limite de nossa mente para sermos pensadores, e não meros repetidores de informações.
Existe alguma diferença entre o stresse e a ansiedade? Ambos são necessários para a nossa sobrevivência se bem doseados?
Ambos são causados por esses excessos que comentei. O excesso de informações, de redes sociais, de preocupações, de baixa autoestima, de intolerância, bem, todo o excesso de todo esse lixo emocional causam tanto o estresse quanto a ansiedade e ambas são enfermidades que precisamos estar atentos e tratar.
O estigma sobre a doença mental poderá ser quebrado como? Falando mais sobre o assunto nos media?
Precisamos sim falar mais sobre esse assunto na mídia, pois trata-de de algo muito sério, que envolve grande parte da população mundial. Por muito tempo esse assunto foi tabu, e é até compreensível que tenha sido. Falar de enfermidades na mente não é um assunto fácil. Mas hoje não é embaraço nenhum tratarmos desse assunto com a seriedade que ele merece, afinal, os dados não mentem e mostram como é necessário uma investigação cada mais aprofundada dos nossos hábitos e nosso cotidiano, pois sabemos que eles afetam nossa saúde psíquica.
As figuras públicas que pacedem de doença psíquica normalmente não falam sobre o assunto. Se elas assumissem, sem vergonha, os seus transtornos mentais seria um pequeno passo para desmistificar um pouco o tabu enraizado na sociedade?
Acredito que não só das figuras públicas, mas todas as pessoas que buscam melhorar de algum transtorno psíquico servem de exemplo para que todos tenham coragem de mudar suas vidas.
Que resposta endereça às pessoas que dizem que os psiquiatras são “médicos de loucos”?
Na verdade, somos médicos de todos os que sofrem de algum transtorno psíquico e essas pessoas não são loucas, elas simplesmente ficam à mercê de suas emoções porque não conseguem controlá-las. E isso, como vimos, de mais de 80% da população mundial.
Tem uma experiência de mais de 30 anos a lidar com pacientes com as mais diversas perturbações mentais. A Psiquiatria, enquanto especialidade da Medicina, evoluiu muito nas últimas três décadas?
Muito. A cada dia lidamos com novas pesquisas, novas descobertas. Os psiquiatras têm um universo vasto, e porque não dizer infinito, a ser explorado. Sempre vamos nos surpreender.
A Inteligência Multifocal é a base do seu primeiro livro, publicado em 1999. Qual a génese desta teoria que estimula cada pessoa a desenvolver a arte de pensar?
Eu iniciei os estudos na minha especialização, mas só publiquei o Inteligência Multifocal em 1999, que é um livro para acadêmicos. Eu sentia que todos deveriam ter acesso aos meus estudos, não só os acadêmicos, por isso, escrevi outro livros que contêm a teoria, mas de forma que as pessoas consigam entender o funcionamento da mente e colocar em prática os aprendizados.
O Doutor criou também o projeto Escola da Inteligência…
Eu sou o idealizador do programa, pois sempre sonhei em poder contribuir de alguma forma para o bem-estar das pessoas, e nada melhor do que começar logo cedo, desde a primeira infância. Por isso, surgiu a ideia do programa educacional para que as crianças aprendam a desenvolver as habilidades socioemocionais, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
O Homem Mais Inteligente da História, lançado em Novembro no Brasil e há cerca de dois meses em Portugal, foi considerado por si como o projecto mais importante da sua carreira. Qual a razão para este livro ser tão especial para si?
Há anos comecei um projeto, que confesso humildemente ser audacioso e inusitado. Apesar dos meus limites, resolvi estudar de forma detalhada a mente do personagem mais famoso da história sob critérios psicológicos, psiquiátricos, psicopedagógicos e sociológicos. A sua inteligência me intrigava, por tudo o que ele passou e por ser o grande representante de diversas religiões. O resultado dessa prolongada pesquisa, que levou mais de 15 anos, compõe esta obra, que se constituirá de vários volumes. Creio que, se não tivesse 30 anos de experiência como pesquisador e profissional de saúde mental – com mais de 20 mil atendimentos –, não teria condições de escrevê-la. Apesar disso, a fim de ter mais liberdade para expressar meu processo de produção de conhecimento, preferi escrever em forma de romance.
O protagonista do romance, o psiquiatra Marco Polo, é o mesmo de A Saga de um Pensador. Considera este personagem o seu alter-ego?
O psiquiatra Marco Polo é um cientista respeitadíssimo, especialista no funcionamento da mente e autor do primeiro programa mundial de gestão da emoção. Ele é bem parecido comigo nesses aspectos, principalmente em sua curiosidade e inquietude diante das questões da humanidade.
O livro será adaptado ao cinema tal como O Vendedor de Sonhos, verdade?
Estamos estudando fazer uma série sobre ele mas ainda está em negociação. Assim que tiver mais novidades, comunicaremos à imprensa.
O seu livro Petrus Logus - O Guardião do Tempo foi publicado por cá no início deste mês de Junho. Esta obra direcionada maioritariamente para os mais jovens foi a sua primeira incursão no campo da literatura de fantasia. Que podem os leitores portugueses esperar desta sua obra narrada após uma Terceira Guerra Mundial?
Esse livro fala sobre a destruição dos recursos hídricos, da poluição, da terceira guerra mundial para adolescentes. Minha preocupação está no legado que deixaremos para os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos. Por isso, quando escrevi essa história para os jovens, minha intenção era conscientizá-los das consequências de não cuidarmos do planeta. Tenho certeza que os jovens portugueses vão apreciar essa história.
No hiato que separa a publicação de Inteligência Multifocal (1999) e 20 Regras de Ouro Para Educar Filhos e Alunos (2017), escreveu outros 46 livros. Qual o seu segredo para tanta produtividade editorial?
Escrever é o meu ofício e minha paixão, e entre uma conferência e outra eu me dedico aos livros.
Lançou recentemente no Brasil uma campanha de combate ao jogo Baleia Azul. Na sua opinião, o que pode ser feito para travar este jogo perverso que tem vitimado vários jovens, inclusive em Portugal?
Os jovens mergulham nesses jogos pois lhes falta autoestima alta e autocontrole, além de outras habilidades socioemocionais. É necessário que os pais criem pontes com os filhos, jamais permitindo que estes se isolem em suas ilhas emocionais. Nós precisamos ensinar as nossas crianças a desenvolver uma autoestima elevada, uma autoimagem saudável, que aprendam a se enxergar e a se amar, valorizando-se.
É necessário e imprescindível prevenir. Não basta remediarmos. Nós chegamos a mais de 7 bilhões de habitantes porque a medicina preventiva foi a menina dos olhos de ouro das gerações anteriores e hoje nós precisamos usar a psicologia, a pedagogia e a filosofia, como a menina dos olhos de ouro na prevenção. Nós precisamos promover a saúde, e não só olhar para a doença.
É um dos escritores brasileiros que mais livros vende no seu país. Já ultrapassou os 30 milhões de exemplares. Como se sente na veste de um autor de sucesso?
Eu agradeço a todos os meus leitores, pois se os meus livros vendem tanto significa que de alguma forma ele me deixou entrar em sua vida, e melhor, o que escrevi o tocou de alguma forma. Os leitores são os grandes responsáveis por isso. Muito obrigada por vocês existirem.
3 comentários:
Gosto muito dos livros deste escritor.
Muito boa entrevista, parabéns!
Gosto muito dos livros do Dr. Cury. Já li muitos deles e foram uma grande ajuda para eu conseguir uma vida equilibrada e feliz. Todos os dias procuro pôr em prática as suas teorias e tenho conseguido que o meu "EU" lidere grande parte das minhas decisões. Aldina Couto
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