quarta-feira, 30 de outubro de 2019

«O Evangelho das Enguias», de Patrik Svensson

Editora: Objectiva
Data de publicação: Outubro 2019
N.º de páginas: 240
Foi considerado o livro mais promissor da Feira do Livro de Londres decorrida no passado mês de Março. Em apenas duas semanas, o livro de estreia do jornalista cultural sueco Patrik Svensson (n. 1972) foi vendido para editores de 22 países. Actualmente, são 33 os idiomas (entre os quais o chinês, o russo, o alemão, o francês, o grego e o italiano) que a partir do título Ålevangeliet estão ou serão traduzidos. A tradução portuguesa tem a assinatura de Elin Baginha e o carimbo da Objectiva.
O que tem de cativante e original um livro de não-ficção que se debruça sobre um peixe estranho e pouco conhecido do leitor comum? À partida, e cingindo-se apenas pelo título da obra, este seria um ensaio que teria como alvo um público muito específico (como os biólogos marinhos); mas não; não é à toa que editores de todo o mundo andaram a disputar um livro sobre a história das enguias: um peixe viscoso e sinuoso, que move-se no oculto, na escuridão e no fundo do lodo, «uma criatura que procura activamente escapar ao conhecimento humano.»
Através de uma narrativa bem construída e evocativa, escrita em capítulos alternados, o autor começa por nos fazer uma visita guiada ao mundo obscuro e simultaneamente misterioso da enguia, uma criatura que existe há pelo menos quarenta milhões de anos, que foi tema de inúmeras teorias ao longo dos séculos e que despoletou o interesse de um sem-número de cientistas de relevo, que estudaram e dissecaram, literalmente, a enguia sem realmente nunca conseguirem compreender as suas metamorfoses e enigmas respeitantes ao seu nascimento, reprodução e morte.
«Há circunstâncias em torno das enguias que é preciso escolher aquilo em que queremos acreditar. A enguia é uma dessas circunstâncias.» Assim inicia Patrik Svensson o capítulo que reservou para contar aos leitores os estudos e conclusões que Aristóteles, há mais de dois mil anos, dedicou à enguia - acreditava que esta criatura como nenhuma outra brotava do nada.
Um outro capítulo deste trabalho ensaístico põe-nos em 1876, em Itália, e relata-nos as tentativas de um investigador austríaco de 19 anos que auspiciava resolver o enigma (relativo à sexualidade) da enguia e deixar a sua marca na história da ciência: «O jovem Freud era um investigador ambicioso (…) provavelmente, aprendeu muito sobre a importância da observação sistemática e paciente para a investigação, conhecimentos que mais tarde aplicaria aos seus pacientes no divã da terapia.»
Em O Evangelho das Enguias, a parte que reveza com a de carácter científico, ontológico, cultural e mitológico destes peixes catádromos, é relativa à própria história do autor, que desde pequeno lembra-se de pescar enguias com o pai («Não me recordo de alguma vez termos conversado sobre outra coisa que não de enguias») nos riachos da Suécia. Nas páginas onde o autor expõe as suas memórias de infância e início de idade adulta, e o amor-mútuo que dois homens nutriram durante muitos anos pela protagonista deste livro, a prosa torna-se poética, simbólica e metafórica. Em algumas destas páginas, o autor antropomorfiza a enguia.
Seria impensável lermos um livro sobre enguias e nos depararmos com uma leitura inspiradora, que nos põe a refletir sobre a fronteira entre a vida e a morte.
Numa entrevista recente, Patrik Svensson afirmou que «a enguia se torna uma metáfora para a necessidade de todos procurarem a sua origem (…) É também sobre a minha própria experiência de pesca com o meu pai. Ele morreu e trouxe os seus segredos à profundidade, tal como a enguia. Dessa maneira, escrever tem sido uma jornada simbólica de volta ao Mar dos Sargaços. Meu próprio mar de sargaço.»

Excertos
«Com o Mar dos Sargoços acontece o mesmo que com os sonhos, raramente é possível dizer com toda a certeza exactamente quando se entra ou quando se sai, só se sabe que lá se esteve.» (p. 11)
«Tem havido muitos enigmas na área das ciências naturais, mas poucos se provaram tão persistentes e difíceis de resolver como a enguia.» (p. 30)
«O mais persistente e controverso de todos os enigmas relacionados com a enguia, também tem sido aquele sobre como ela realmente se reproduz.» (p. 31)
«As suas metamorfoses não são apenas adaptações superficiais. Uma enguia transforma-se no que precisa de ser, quando chega a altura certa.» (p. 57)

3 comentários:

gmgm disse...

Muita curiosidade para ler este livro.

Joana disse...

Não conhecia o livro, fiquei super curiosa para o ler.

maresvivas disse...

Já li e até gostei