sexta-feira, 27 de outubro de 2023

«E Choviam Pássaros», de Jocelyne Saucier

Editora: Gradiva
Data de publicação: 29-08-2023
N.º de páginas: 200
O Grande Incêndio Matheson de 1916 é considerado o mais mortal da História do Canadá. Deflagrou no final do mês de Julho desse ano e levou vários dias a ser dado por extinto. A área florestal e algumas cidades do Norte de Ontário foram completamente devastadas pelo fogo, tendo mais de 200 pessoas sido mortas.
Cinco anos antes de ser assinalado um século sobre esse acontecimento, a jornalista Jocelyne Saucier (n. 1948) escreveu um romance (Il pleuvait des oiseaux, de seu título original) que evoca essa trágica efeméride. A obra, escrita num estilo envolvente, instigante e comovente, rendeu à autora canadiana inúmeros prémios e, conquistou desde 2011, os corações de leitores de mais de uma vintena de países.
Esta história coloca-nos em 1996 e inicia-se poucos dias após a morte de Ted, o misterioso protagonista, que embora cadáver, estará omnipresente ao longo e toda a narrativa.
Os octagenários Charlie e Tom eram os únicos companheiros de Ted, há vários anos, desde que os três eremitas decidiram viver os seus últimos dias longe da civilização, nas profundezas de uma floresta, em Ontário. Cada um destes idosos, que envelheceram juntos, dispunha de um acampamento autónomo com vista para um lago. «O que lhes interessava era serem livres, tanto na vida como na morte» — tinham selado um pacto (a eutanásia é subtilmente abordada na trama).
Após a morte do líder, «um ser destroçado» que carregou sempre consigo um trauma inolvidável (tentou afastar os seus “demónios” através da arte-terapia), a vida pacata da diminuta comunidade é abalada com a chegada de duas mulheres: uma fotógrafa que viera até lá seguindo a lenda de Boychuck, «o rapaz que caminhara sobre os escombros fumegantes, o homem que se refugiara na floresta para fugir dos seus fantasmas» (Ted era um dos últimos sobreviventes do Grande Incêndio de Matheson), e Gertrude, uma velhinha foragida, muito frágil, «um passarinho caído do ninho», que fora injustiçada durante toda a sua vida e que ansia por viver frugalmente o resto dos seus dias.
Com reviravoltas inesperadas, o leitor continuará a ser atraído para dentro desta história, que fala sobre vida e morte, até ao seu epílogo.
E Choviam Pássaros
é uma pequena preciosidade literária: uma ode à liberdade, ao amor tardio e um grandioso apelo à natureza. Um livro inspirador, que enaltece as segundas oportunidades da vida, mesmo quando parece ser tarde demais.
Depois deste romance (o seu quarto livro), que foi adaptado ao cinema em 2019 —  realizado por Louise Archambault e com interpretações dos actores Andrée Lachapelle (Gertrude), Gilbert Sicotte (Charlie), Rémy Girard (Tom) e Kenneth Welsh (Ted) , Jocelyne Saucier publicou À train perdu (2020) e Je n'ai jamais lu Baudelaire (2022).

Excertos
«À medida que ia envelhecendo, alimentou a esperança de um dia poder morrer no meio do arvoredo, como um animal, sem melodias tristes nem semblantes enlutados, apenas o silêncio da floresta»

«Só o amor poderá explicar o comportamento errático do jovem, o primeiro amor, o que nos dá asas e nos transporta para lá de nós próprios.»

«Quando o sofrimento se apodera de alguém, não deixa lugar para mais nada. Já vi homens e mulheres sofrer a ponto de amar a própria dor, de a sustentar, de lhe acrescentar novos tormentos.»

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