“Apaixono-me facilmente por acontecimentos, por locais, por paisagens, por pequenos registos visuais do quotidiano e sobretudo por pessoas, reais ou imaginárias”
Esmeralda é uma «mulher poderosa e com poder
encantatório», e coabitou durante 3 anos o imaginário e vida quotidiana de
Paulo Pimentel, desde que este “deu-lhe vida”, vestindo-a com indumentária e
preceitos medievais - numa
era em que o papel da mulher era parco em estatuto, vivendo subordinadas e
cingidas aos homens - nos primórdios do Reino de Portugal, na dinastia do
segundo rei português.
Esmeralda é a personagem que narra e protagoniza a
história do mais recente livro de Paulo Pimentel A Esmeralda do Rei.
O
autor é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos
Portugueses e Alemães, pela Universidade Clássica de Lisboa, e especializou-se
em Ciências Documentais. Foi docente durante 5 anos no Colégio Bartolomeu Dias e
actualmente é Chefe da Divisão Sócio-Cultural na Câmara Municipal de Arruda dos
Vinhos.
É
autor dos contos Serafina; Maria Ruça e
Outros Contos e Do Ventre da Terra,
e aos 43 anos vê o seu primeiro romance vingar, sob a chancela da Edições
Mahatma.
Paulo
Pimentel abre-nos um pouco o véu, com o qual teceu este romance histórico.
Texto:
Miguel Pestana
Foto: Cedida por Paulo Pimentel
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Este
é o seu primeiro romance, embora já tenha obra publicada. Revele-nos um pouco
do seu percurso literário e de que forma essa mesma trajetória culmina com A Esmeralda do Rei?
Tudo começou com a publicação de um conto “Serafina” em
1997, depois da distinção desse texto no Prémio Literário Lindley Cintra,
promovido pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 2000,
publiquei um livro de contos intitulado “Maria Ruça e Outros Contos” e em 2008
“Do Ventre da Terra”, um conjunto de contos e outras narrativas breves. “A
Esmeralda do Rei” surge como um processo natural de quem, não sendo de
História, é um apaixonado pela História, em particular a História Medieval.
Depois das publicações anteriores, quem conhecia a minha escrita, instigava-me
a escrever narrativas mais complexas, que se adivinhavam e pressentiam já na
estrutura dos últimos contos, alguns já muito próximos da novela. Este era o
passo natural e inevitável, uma vez que até eu me sentia de alguma forma
insatisfeito, enquanto autor, cheio de vontade de me agarrar a projetos mais
ambiciosos do ponto de vista do jogo narrativo. Gosto muito do género conto,
mas na verdade tinha um desejo enorme de me lançar a escrever um romance.
A Esmeralda do Rei
assume-se como um romance histórico, cuja diegese remonta à Idade Média. O que
o levou em concreto a escrever esta história?
Sempre tive um grande fascínio pelo rei D. Sancho I e
pelo seu reinado. Depois de ter lido muito sobre a sua vida e sobre a sua
atuação na consolidação do território português como reino independente, quer
no quadro da hegemonia ibérica quer nos confrontos constantes com as forças
almóadas, que dominavam os territórios do Sul da península, lancei-me nesta
aventura de escrever um romance, em que uma das personagens centrais seria o
segundo rei de Portugal. Curiosamente, fui dominado aos poucos por este
personagem feminina, a Esmeralda, que foi quem me conduziu durante a construção
de toda a narrativa.
A Esmeralda acabou assim por se tornar na personagem principal deste romance e passou, desde então, a fazer parte da minha vida e do meu quotidiano. A alma da Esmeralda veio para ficar. É uma mulher intemporal, dona de uma força extraordinária. Uma alma asselvajada e ao mesmo tempo doce e cativante. Foi uma grande responsabilidade escrever sobre ela.
A Esmeralda acabou assim por se tornar na personagem principal deste romance e passou, desde então, a fazer parte da minha vida e do meu quotidiano. A alma da Esmeralda veio para ficar. É uma mulher intemporal, dona de uma força extraordinária. Uma alma asselvajada e ao mesmo tempo doce e cativante. Foi uma grande responsabilidade escrever sobre ela.
O
tempo narrativo do romance decorre no século XII. Denota-se que tenha realizado
um moroso trabalho de pesquisa, ou não?
Sim. A Esmeralda do
Rei resulta de uma pesquisa exaustiva sobre o tempo dos primeiros três reis
de Portugal, com especial incidência sobre o reinado de D. Sancho I, nos seus
diversos aspetos, desde a ação política, o contexto religioso, aspetos da vida
social, da economia, os usos e os costumes, a cultura e as mentalidades, a
realidade linguística, entre outras matérias. Foi consultada e lida uma vasta
bibliografia de base para escrever este romance, que passou desde manuscritos
medievais a documentos em suporte digital. Embora esta seja assumidamente uma obra
de ficção, houve um grande cuidado e respeito pelos factos históricos.
Foram três anos da minha vida, em que estive completamente embrenhado neste projeto.
Foram três anos da minha vida, em que estive completamente embrenhado neste projeto.
Esta
sua obra deu origem a outras manifestações criativas. Quer revelar-nos de que
forma A Esmeralda do Rei acabou por
“dar corpo” a um projecto mais envolvente, envolvendo poesia e escultura?
A poesia e a escultura associaram-se a esta obra de uma
forma quase espontânea. Uma das primeiras pessoas a ler a prova do romance foi
a minha amiga Catarina Gaspar, a autora do livro de poesia “A Esmeralda, O
Rei”. Algum tempo depois de ler o texto e de me relatar as suas primeiras
impressões, a Catarina apareceu no meu local de trabalho com um conjunto
fabuloso de poemas que lhe tinham surgindo naturalmente, associados às
personagens, aos momentos e às sensações que ia experimentando, à medida que
avançava na leitura da narrativa. A partir de determinada altura, afirmou-me
ter sido dominada pela personagem principal do livro e por um desejo
incontrolável de escrever sobre esta história, numa perspetiva poética. Assim
nasceu este corpus de poemas. Eu já
considerava a Catarina uma excelente poeta e fiquei completamente rendido
àqueles versos, àquela espécie de renascimento da minha “Esmeralda” que já
voava então com novas asas. Apresentámos a proposta à editora que entendeu o
projeto tal como ele já estava a crescer - para além das fronteiras da
narrativa - propondo fazer a publicação dos poemas. Assim, os dois livros são
obras autónomas mas com uma forte relação e partilha de emoções entre si.
Quanto à escultura, o Carlos Oliveira tinha estado no lançamento do meu anterior livro e no fim da sessão veio ter comigo, expressando a sua vontade em colaborar comigo num futuro projeto, uma vez que, segundo ele, se sentia atraído pela força encantatória das minhas personagens e da minha escrita. Passámos tardes no seu atelier nas Caldas da Rainha a falar da Esmeralda, a ler trechos do romance, assim como os poemas, surgindo este conjunto de peças, no meu entender, com uma força e um magnetismo extraordinários. Aos dois, estou profundamente agradecido e tem sido um privilégio termos trabalhado os três. Criou-se uma energia muito especial entre as nossas diferentes sensibilidades, quer ao nível pessoal quer ao nível estético. A Esmeralda, sendo uma mulher poderosa, transmitiu-nos, de certo modo, esse seu poder encantatório.
Quanto à escultura, o Carlos Oliveira tinha estado no lançamento do meu anterior livro e no fim da sessão veio ter comigo, expressando a sua vontade em colaborar comigo num futuro projeto, uma vez que, segundo ele, se sentia atraído pela força encantatória das minhas personagens e da minha escrita. Passámos tardes no seu atelier nas Caldas da Rainha a falar da Esmeralda, a ler trechos do romance, assim como os poemas, surgindo este conjunto de peças, no meu entender, com uma força e um magnetismo extraordinários. Aos dois, estou profundamente agradecido e tem sido um privilégio termos trabalhado os três. Criou-se uma energia muito especial entre as nossas diferentes sensibilidades, quer ao nível pessoal quer ao nível estético. A Esmeralda, sendo uma mulher poderosa, transmitiu-nos, de certo modo, esse seu poder encantatório.
Como
se define o Paulo Pimentel enquanto autor?
Imagino que seja difícil um autor definir-se. Nunca
pensei muito nisso de forma séria. Apaixono-me facilmente por acontecimentos,
por locais, por paisagens, por pequenos registos visuais do quotidiano e
sobretudo por pessoas, reais ou imaginárias, à volta das quais me apetece dar
corpo a uma história; é uma espécie de processo alquímico que comparo a uma boa
amassadura de pão, como diria a minha avó, que foi uma grande mestra na minha
vida: um processo que vai desde a mistura dos ingredientes básicos como a
farinha e a água, passando pela junção do sal, pelo fermento e por um bom e
duro trabalho de mãos, até que a massa adquira a consistência desejável para
levedar e ficar pronta para ser levada ao forno.
O Paulo Pimentel, enquanto autor, vive intensamente o seu processo criativo, em permanente estado de graça e de surpresa, uma vez que, sabe sempre como as suas histórias começam, mas é incapaz de antever as partidas que lhe vão pregar as personagens e o próprio desenrolar dos acontecimentos. O ser humano é muito imprevisível e essa imprevisibilidade, embora me provoque uma certa ansiedade, exerce sobre mim um desafio a que nunca renego. É difícil descrever-me enquanto autor e sinceramente não me preocupo muito com isso, porque o que me dá o verdadeiro prazer é mergulhar no processo criativo, vivificá-lo e deixá-lo fluir naturalmente, ainda que dentro de certas margens que tiveram de ser muito bem definidas, numa espécie de contrato que assino com uma entidade que ainda não descobri qual é, mas com a qual discuto intensamente, antes de começar propriamente a escrever.
Uma viagem que tem ponto de partida e ponto de chegada muito bem pensados, mas em que não há hora para chegar nem o número de paragens é relevante ou pré-definido. Eu quase diria que durante o tempo em que estou a escrever, acabo por entrar numa espécie de alteridade. Esta experiência nunca tinha sido tão intensa como com este romance.
O Paulo Pimentel, enquanto autor, vive intensamente o seu processo criativo, em permanente estado de graça e de surpresa, uma vez que, sabe sempre como as suas histórias começam, mas é incapaz de antever as partidas que lhe vão pregar as personagens e o próprio desenrolar dos acontecimentos. O ser humano é muito imprevisível e essa imprevisibilidade, embora me provoque uma certa ansiedade, exerce sobre mim um desafio a que nunca renego. É difícil descrever-me enquanto autor e sinceramente não me preocupo muito com isso, porque o que me dá o verdadeiro prazer é mergulhar no processo criativo, vivificá-lo e deixá-lo fluir naturalmente, ainda que dentro de certas margens que tiveram de ser muito bem definidas, numa espécie de contrato que assino com uma entidade que ainda não descobri qual é, mas com a qual discuto intensamente, antes de começar propriamente a escrever.
Uma viagem que tem ponto de partida e ponto de chegada muito bem pensados, mas em que não há hora para chegar nem o número de paragens é relevante ou pré-definido. Eu quase diria que durante o tempo em que estou a escrever, acabo por entrar numa espécie de alteridade. Esta experiência nunca tinha sido tão intensa como com este romance.
Como
caracteriza a sua escrita, em termos da relação que pretende entabular com os
seus leitores?
Embora me considere bastante auto-crítico e seja capaz de
alterar um parágrafo vinte vezes, até chegar exatamente aonde pretendo, gosto
depois de receber elogios, seja de quem for. Só assim dou a minha missão por
cumprida. Sou um pouco inseguro e preciso mesmo de saber se a minha escrita
mexeu com as pessoas e provocou sensações, e fico satisfeito quando me abordam.
Se são os vizinhos da rua com quem me cruzo todos os dias, se é a senhora do
café, que leu a minha história e se identificou com determinada personagem, ou
se é alguém de um meio mais académico que tece determinados considerações que
jamais me passariam pela cabeça.
Todos os leitores me interessam e todos me importam, enquanto canal transmissor de emoções e experiências. A partir do momento em que dou um texto por terminado e o partilho com outrém, a narrativa deixa de ser minha, as personagens deixam de ser minhas, e passam a povoar outros territórios. Adquirem novos traços, vidas mais enriquecidas. É uma sensação de missão cumprida que não consigo bem explicar mas que me provoca um bem-estar indescritível. É uma forma de eu próprio me fazer cumprir nos outros e de me sentir muito próximo. Um tipo de generosidade que não consigo definir melhor.
Todos os leitores me interessam e todos me importam, enquanto canal transmissor de emoções e experiências. A partir do momento em que dou um texto por terminado e o partilho com outrém, a narrativa deixa de ser minha, as personagens deixam de ser minhas, e passam a povoar outros territórios. Adquirem novos traços, vidas mais enriquecidas. É uma sensação de missão cumprida que não consigo bem explicar mas que me provoca um bem-estar indescritível. É uma forma de eu próprio me fazer cumprir nos outros e de me sentir muito próximo. Um tipo de generosidade que não consigo definir melhor.
O
que pensa da literatura portuguesa dos nossos dias?
Há gente a escrever bem e com muita qualidade e há obras
que são autênticos rasgos de genialidade. A literatura portuguesa vive
atualmente momentos de uma grande pujança técnica e criativa, refletindo os
tempos conturbados e os desafios que estamos a viver. A nossa literatura tem
raízes e tem asas. Temos excelentes poetas e muito bons escritores. Penso que a
nossa língua e a nossa literatura têm conquistado um território que se tem
vindo a consolidar até no panorama internacional.
Quais
são as suas referências literárias?
Não sei. Nunca pensei muito a sério sobre essa questão.
Talvez as minhas maiores referências literárias sejam os clássicos da
Antiguidade que fui obrigado a estudar na faculdade e que constituíram uma
verdadeira revelação, provocando-me momentos de grande gozo e prazer
literários. Encontrei na essência daqueles textos mais do que poderia imaginar.
Criei uma ligação quase religiosa com eles. Os poemas homéricos, com quase 30
séculos ou a Eneida de Virgílio são colossos da literatura, da cultura e do
processo civilizacional que, qualquer ser humano, minimamente interessado no
seu auto-conhecimento, deveria ler. Está lá tudo e tudo caminha na direção da
excelência e da superação do homem, enquanto ser sensível e ser pensante.
A partir dessas bases, houve obras e autores de
diferentes proveniências e em diferentes géneros que me têm marcado, desde a
lírica galaico-portuguesa, passando por Fernão Lopes, Dante, Unamuno, Lessing,
Goethe, Raúl Brandão, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Ernest
Hemingway, Gabriel García Marquez, Camilo José Cela, Agustina Bessa-Luís, Mia
Couto, o Professor Eduardo Lourenço e tantos outros.
A
Edições Mahatma festeja este mês o seu primeiro ano de vida. Qual a sua visão
acerca da editora no panorama editorial em Portugal?
Já conhecia alguns dos responsáveis da Mahatma, por
relações de trabalho e amizade, anteriores à existência desta publicação. Não
hesitei quando me foi formulado o convite para publicar este romance com esta
jovem editora. São excelentes profissionais, gente séria, dedicada e
persistente, apostando em apresentar um trabalho honesto e com qualidade. Estou
muito satisfeito com o resultado e temos trabalhado em estreita parceria. Farei
o que estiver ao meu alcance para ajudar a Mahatma a crescer e a afirmar-se no
panorama editorial em Portugal.
A
avaliar pela recepção e pela crítica, deduz-se que após este romance outros
projectos literários se seguirão. O que nos pode revelar acerca do seu futuro
na literatura?
Estou neste momento em fase de “fermentação”,
relativamente a um novo projeto, na área do romance histórico. As personagens
femininas exercem um grande fascínio sobre mim e estou em fase de enamoramento
com a D. Mécia Lopez de Haro, uma fidalga de origem basca e portuguesa, que
chegou a ser rainha de Portugal, por casamento (não provado) com D. Sancho II,
um rei muito controverso e com um final de vida extremamente infeliz.
Seduzem-me os seres que foram ensombrados pela infelicidade. Apetece-me
dar-lhes novas oportunidades, explorando algumas pistas da sua vida que me
possam torná-los um pouco mais felizes e grandiosos. “Estamos os três” neste
momento ainda a travar conhecimento e a estabelecer relações. Mas apetece-me
muito escrever sobre este tempo conturbado e difícil da História de Portugal.
Escrever sobre o passado distante, ajuda-me a compreender e a aceitar o
presente, não no sentido da resignação, mas no sentido de encarar o futuro como
um oceano de oportunidades. Nós, os portugueses, continuaremos a ser uma janela
para o mundo. Cada vez mais acredito que temos papéis determinantes a cumprir,
tirando partido de uma identidade original, assente na diversidade, na tolerância
e no multiculturalismo.■
Nota: A entrevista foi realizada via e-mail.
2 comentários:
Olá, Miguel
Vim retribuir a visita que fez ao meu espaço e achei o seu tão interessante que vou passar a segui-lo.
Também gosto muito de ler e só lamento a falta de tempo e de capacidade financeira para ler todos (tantos!) os livros que me chamam.
Quanto a Saramago, Claraboia não é o meu preferido, de facto. O Memorial do Convento é Saramago na sua essência, mas A Viagem do Elefante e As Intermitências da Morte também me agradaram muito, sobretudo porque o registo de escrita se alterou.
Até breve. : )
Obrigada Ana.
Faça-me uma visita quando quiser.
Será sempre bem-vinda!
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