Editora: Sextante
Data de Publicação: 21/03/2014N.º de Páginas: 184 |
Ana é uma mulher idosa que tivera um AVC e ficara confinada a uma cadeira de rodas. Para Marta, a sua filha, pôr a mãe num lar fora a única solução plausível para poder satisfazer todas as necessidades básicas da matriarca. Mesmo tendo consciência que «os lares não passam de um negócio», sendo «caríssimos e não vão além dos cuidados básicos», a sua decisão fora a mais acertada, para o descanso físico e psicológico de toda a família. Nos últimos tempos da sua solidão, dessa solidão que teve como palco esse lar onde «demasiadas coisas eram só aparência, ilusão de óptica para inspecção ver, família ver, visita ver», essa solidão vestida de gente em redor, os outros hóspedes e as funcionárias (mal remuneradas e por isso frustradas) — que limpavam «mijo e merda e vomitado e fraldas sujas» — da instituição, Ana toma uma decisão, em plena lucidez, para minimizar o constrangimento e comiseração que os meus familiares e amigos demonstram pela sua pessoa, nessa fase volátil em que se encontra, nesses últimos dias. Ana, que sempre tivera jeito para “fazer de conta” — trabalhara numa farmácia a sua vida inteira mas gostaria de ter sido actriz («representar um papel e de te confundires com ele. No fim, no meio dos aplausos, encher-te-iam o palco de flores.») — fingiu ter Alzheimer, para assim os seus e ela própria terem um pouco de descanso. Mas este fingimento não fora a primeira das opções que ela quisera seguir para deixar de ser um estorvo para os vivos; Hugo, o seu neto, não atendera o seu primeiro pedido. Para Ana a morte não era uma derrota, mas uma meta. Quando encontra-se liberta do mundo exterior Ana começa a reviver momentos intensos, traumáticos, do seu passado: a sua infância num colégio de freiras, as suas relações com o pai e o marido, etc. Através de uma conversação com o seu eu, a sua consciência, vamos acompanhando e percebendo o porquê da sua tomada de atitude, de “se tornar passar por”. Este é o resumo das duas primeiras partes de Passagens (a primeira, decorrida durante o seu velório; a segunda, durante a noite de véspera da sua partida formal) onde Teolinda Gersão revela, aos poucos, o círculo de pessoas pertencentes à família da protagonista que criou para este seu romance.Na terceira e última parte do livro, é-nos relatado a cerimónia de cremação de Ana. Aquando das últimas palavras que os seus entes queridos lhe dirigem, Ana já está transformada em pó, por força do fogo, e é tendo por foco o ritual de despedida de Ana, que Teolinda Gersão se afasta da narrativa, das personagens que criou, e inicia a escrita de um tratado ensaístico, filosófico, científico, sobre a condição humana, desde a gestação à morte, não olvidando do ciclo os Quatro Elementos: Água, Terra, Fogo e Ar. Por fim: flores, música clássica e silêncio, e o romance cortina-se-nos.Passagens difere na estrutura e na forma, a forma tradicional em que os romances são compostos, e nele a autora aborda com mestria uma realidade dos tempos contemporâneos, que mais cedo ou mais tarde todos nós (ultra)passaremos. É um romance intenso, bem construído, com todas as peças a completarem o puzzle intrincado que é o da complexidade do ser humano. Passagens é sobre a história de uma família; é por isso que é único, singular.
3 comentários:
O livro parace ser interessante. o tema é curioso e poucos autores o retratam em livros. Em todo o caso eu não admiro a escritora, acho-a muito arrogante.
É uma das autoras portuguesas que tenho curiosidade em ler. :)
Belíssimo livro!
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