A 22 deste mês, a Presença, para assinalar o centenário da morte do autor, publica dois livros de Kafka: o livro de contos O Abutre e Outras Histórias (tradução a cargo de João Bouza da Costa) e a novela A Metamorfose (tradução assinada por Gabriela Fragoso), que foi originalmente publicado em 1915.
Em Kafka, em tudo o que escreveu, como tão bem notou Jorge Luis Borges, há apenas um homem; o essencial, porém, sublinha, está no argumento e no ambiente. Se tomarmos por boa a dedução de Borges, uma das melhores formas de começar a ler Kafka é mergulhar nos seus contos, e esta antologia reúne alguns dos mais fantásticos, na dupla acepção do adjectivo.
Nos doze textos que compõem O Abutre e Outras Histórias, conhecemos, estranhamos e reconhecemos muito de Kafka, muito de nós ou ambos os anteriores. Um dos maiores efeitos secundários desta leitura desemboca, por fim, numa das mais clássicas respostas a inquéritos humanos: a várias das questões levantadas, somos tentados a devolver «Não sabe/Não responde», uma réplica bem menos comezinha, não nos enganemos, do que as certezas que tendem a assolar-nos, a nós, pessoas do século XXI.
Num dia normal, um homem banal acorda. O mundo continua o mesmo, mas Gregor Samsa é outro - será? -, agora metamorfoseado num enorme e monstruoso insecto.
Relegado para um quarto, o caixeiro-viajante torna-se uma anomalia, um ser paradoxal, uma coisa estranha e insuportável para os outros. Ainda um homem - será? -, procura ajustar-se à sua nova forma e à realidade de um corpo imposto, mas ninguém - parece - o vê ou encontra, que não é dizer o mesmo.
O ostracismo, o absurdo e o inadequado encontram neste livro uma das suas imagens mais justas, enquanto vemos desfilar, por entre a tão económica e acutilante línguagem de Kafka, a grande e burocrática fila dos desesperos humanos.
sexta-feira, 10 de maio de 2024
São lançados este mês livro de contos e a novela mais conhecida de Kafka
publicado por Miguel Pestana
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