sexta-feira, 10 de outubro de 2014

«Bach», de Pedro Eiras

Data de Publicação: 26/09/2014
N.º de Páginas: 160

Bem, comecemos pelo fim. Dê-mos atenção à frase que vem na última página do último capítulo, intitulado '2002', de Bach: «Penso que gostaria de escrever sobre Bach, mas não sei como se escreve sobre Bach, ainda procurarei durante muitos anos.» (p. 151). Pedro Eiras (n. 1975) «procurou» saber escrever sobre Johann Sebastian Bach (1685-1750) durante os últimos doze anos. O fruto dessa procura, (in)constante, sobre a vida e obra de um dos maiores compositores da História da Humanidade, «Árbrito supremo e legislador da música» (Baker’s Biographical Dictionary of Musicians, 1900), é dado a conhecer ao leitor via catorze capítulos/diálogos que se interligam e que entrelaçam ficção e realidade — todos os personagens do livro, todos supostamente admiradores, de uma maneira ou outra, de Bach, que viveram nos últimos cinco séculos, existiram; os (seus) diálogos é que são imaginários.
A mulher que escreve uma carta na pintura de Emanuel de Witte que adorna o frontispício deste livro, podia ser muito bem a narradora do primeiro diálogo que encontramos no livro: Anna Magdalena Bach, a recém-viúva de Bach, «uma mulher sozinha», que escreve uma missiva a altos diligentes da Escola de Música onde o esposo era professor.
No capítulo seguinte o autor escreve na primeira pessoa e comenta um livro-biografia sobre Bach, publicado em 1925, The Little Chronicle of Anna Magdalena Bach, escrito por Esther Meynell, uma admiradora inglesa que nutria uma paixão incomensurável pelo compositor do Barroco. Aqui, Pedro Eiras afirma e interroga: «Não procuro uma biografia, nem um tratado, nem uma análise. O que procuro?» (p. 32).
Nos capítulos seguintes: uma conversação entre dois cineastas franceses que na década de 1960 produziram um filme sobre o compositor alemão (baseado no livro já referido acima) e que teve como protagonista um organista holandês, também um acérrimo seguidor da obra de Bach; uma carta escrita por Gustav Leonhardt a um amigo, em 1973; um renomado pianista canadiano a gravar num estúdio, em 1981.
O autor de Esquecer Fausto: A fragmentação do sujeito em Raul Brandão, Fernando Pessoa, Herberto Helder e Maria Gabriela Llansol (Campo das Letras, 2005) na sexta e sétima partes do livro, expõe subtilmente de que forma a música do egrégio compositor continua a inspirar gerações de personalidades de diferentes campos de actuação, como a da Música Aleatória e Eletroacústica (John Cage) e da Filosofia e Matemática (Gottfried Wilhelm Leibniz).
'Maria Gabriela Llansol – 1984' intitula-se um dos capítulos seguintes, um dos que se destacam mais, quer pelo tom intimista e confidente usado, quer pelo tributo que Eiras presta a Llansol, por através dos seus livros ter elevado o apreço do autor por Bach. Pessoa é também reverenciado na homenagem.
A cantata BWV 82, uma das catorze que fazem menção neste livro, dá voz às páginas 129-134, parte da obra que merece uma atenção redobrada por parte de quem a lê. Expressar por escrito, para si, para todos, sobre Bach e o alcance que a sua música tem para si, deve ter sido para o autor de A Cura (Quidnovi, 2013) um dos aspectos que mais o condicionaram para compor este livro, onde a música é um elemento não acessório, mas essencial.
Bach, obra que é difícil de catalogar quanto ao seu género, revela um trabalho intenso de pesquisa do autor sobre o compositor em torno do qual todos os diálogos do livro giram. A utilização de uma linguagem melódica e poética, a habilidade para criar atmosferas, faz de Eiras um regente prodigioso, que faz com que a leitura deste livro torne-se tão incessante quanto a audição de um qualquer prelúdio, fuga ou cantata do músico mais dotado de todos os tempos. Voltando ao início, mas para terminar, há que dizer que Pedro Eiras venceu e com distinção o seu desafio de há doze anos.


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