quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

«Sendino Está a Morrer», de Pablo d’Ors

Editora: Paulinas
Data de publicação (2.ª edição): Dezembro 2014
N.º de páginas: 80

O presente ensaio é uma espécie de testemunho, fidedigno, dos derradeiros meses de vida (de Maio a Julho de 2008) de uma médica espanhola nascida em 1960, África Sendino, que se depara com uma doença oncológica diagnosticada em 1999.
Dando-se conta que estaria na iminência dos últimos de seus dias de vida, é selado um pacto entre esta mulher, médica e doente, e o capelão do hospital onde ela se encontra internada. O sacerdorte é Pablo d’Ors, que fica encarregado de escrever a forma como a paciente encarou e viveu a sua doença: «(…) mais do que um espelho fiel da doutora e paciente que foi África Sendino, o que este documento pretende refletir é como eu vivi os seus últimos dias.» (p. 27); «A morte de Sendino destaca-se, no meu coração, sobre todas as outras. E não porque fôssemos amigos.» (p. 14).
Entrelaçando excertos de um diário que Sendino escreveu com dificuldade, nas pausas entre os tratamentos de quimioterapia e radioterapia, o escritor, que nessa altura já tinha vários títulos publicados (como Las ideas puras, Andanzas del impresor Zollinger e El estupor y la maravilla), revela a serenidade, a dignidade humana e o altíssimo nível espiritual desta mulher que a cada dia a menos que lhe restava, preenchia-os com esperança, fé, coragem e elegância: «Nem sequer, quando o seu declínio físico esteve no seu nível mais alto, chegou a perder o seu porte.» (p. 15); «Se é verdade que os últimos dias e até às últimas horas de vida uma pessoa simbolizam bem o que essa pessoa foi ou quis ser, então devo pensar que Sendino era o que no catolicismo se entende por santo.» (p. 12-13).
Pablo d’Ors, que inicialmente pensava que as suas visitas à paciente serviriam para ouvi-la e consolá-la, percebeu que no fim desses encontros pastorais quem saía mais ajudado era ele próprio. Pegando nas suas palavras: «antes de entrar no seu quarto, eu pensava bastante. Sabia que do encontro com Sendino não sairia como do encontro com qualquer outro doente.» (p. 19)
Após esses três meses, a sua forma de ver os doentes terminais mudou, como nos conta: «Já há bastante tempo que não vejo no doente simplesmente o pobre homem ou a pobre mulher a consolar. Em cada enfermo descubro sobretudo a “enfermidade” que caracteriza a condição humana e, nela, o meu próprio futuro de doente e moribundo.» (p. 20)
Sendino Está a Morrer - A elegência do adeus (cujo título da 1.ª edição portuguesa foi Viver, amar, morrer - Contigo até ao fim) é um livro-homenagem de uma sinceridade e arrebatadora beleza, escrito num tom próximo e informal. É um ensaio curto, mas profundamente humano, que toca o leitor com a sua mensagem de optimismo e infinita crença no poder e resiliência do ser humano.
Este livro pertence a uma colecção da Paulinas Editora coordenada por José Tolentino Mendonça, de onde faz parte também outro livro do sacerdote e consultor do Pontifício Conselho da Cultura (Vaticano), A Biografia do Silêncio (2014). Pablo d’Ors esteve recentemente em Portugal para o lançamento de um novo livro, O Amigo do Deserto (Quetzal, 2019).

Excerto
[África Sendino:] «Sou médica (…). Meti as mãos na massa do sofrimento com a nobre intenção de aliviá-lo. E, se tive o privilégio de tocar em tanta dor de outros corpos, como não hei de permitir que outros toquem no meu? Graças a esta enfermidade que sofro, compreendi que compartilhar a dor não significa simplesmente assumir a dor alheia, mas também repartir a minha. Tenho sofrimento; de acordo. Posso compartilhá-lo ou guardá-lo para mim. Decidi entregá-lo.» (p. 74-75)

1 comentário:

Ana disse...

A possibilidade de acompanhar o outro nos seus últimos dias enche-nos de coragem para lhe dar a mão até que ela esteja quente!