Azul,
preto e branco são as cores da bandeira do país que escolheu João Lopes Marques
(n. 1971) como seu novo hóspede, há 6 anos. Depois de um par de anos a viver
na capital amesterdanesa, o escritor e jornalista decidiu rumar a um novo porto.
O destino trouxe-o a uma das cidades medievais mais bem conservadas da Europa: Tallin,
a bela capital da Estónia.
O
jornalista e escritor escreve artigos de opinião no Eesti Ekspress, o principal jornal
estónico, textos esses já compilados no seu livro Minu väga ilus eksiil Eestis, de 2011.
Mesmo
residindo fora de Portugal, o autor mantem a sua colaboração nas revistas de
viagem portuguesas Rotas & Destinos
e Volta ao Mundo. A Europa, a Ásia,
Américas, África e Oceânia são, para este andarilho, continentes bem conhecidos.
A
prova do seu testemunho in loco sobre
pessoas e culturas bem antípodas é o seu mais recente livro Choque Cultural, publicado pela Marcador, que compila as suas
mais incrédulas e cómicas crónicas sobre alguns dos países por onde deixou o
seu vestígio e/ou vive-versa.
João
Lopes Marques é também correspondente da Lusa
no trio de países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia).
Da sua bibliografia fazem parte os
romances O Homem que Queria Ser Lindbergh
(Oficina do Livro, 2007), Terra Java
(Oficina do Livro, 2008) e Iberiana
(Sextante Editora, 2011), e o
seu quarto romance está quase terminado, prevendo-se a sua publicação ainda no
decorrer deste ano.
Nesta
entrevista o autor conta-nos que não escreve em estónio as suas crónicas e
obras, mas em português e em inglês. Curiosamente, na
fotografia que cedeu para esta publicação, vemo-lo a ler um livro de Fernando
Pessoa em língua estónica!
Depois desta antítese de hábitos e costumes, dê-mos as boas-vindas a João Lopes
Marques, o lusófono mais famoso de Tallin.
Texto:
Miguel Pestana
Foto: Cedida gentilmente pelo autor
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O lançamento do livro Choque Cultural, decorreu no dia 18 deste mês. Muitos curiosos
marcaram presença na apresentação?
Para as 18h30 de um 18 de
Julho, e juntemos-lhe os 36 graus exteriores, foi surpreendente. Creio que o
auditório da FNAC Chiado esteve nos 80 por cento. Uma pequena felicidade. Foi
bonito: os espíritos ainda se deixam embalar pela curiosidade.
O leitor que esteja indeciso sobre qual o destino de
férias a escolher para este Verão, se ler o Choque
Cultural ficará mais indeciso ou nem por isso?
Certamente. E até aposto que
passa a considerar a Estónia no leque de possibilidades.
Neste mês de Julho o João Lopes viu nascer dois novos
rebentos literários: Estonia, Paradise
without palm trees e Choque Cultural.
Um mês frutífero…e ainda não terminou (risos)
Pois não. Julho começou por ser
o mês dos césares e, pelo menos neste atribulado 2012, tem-me sido bastante
augusto. Acho difícil ainda sair um terceiro livro até ao seu final, mas
prometo voltar à carga ainda este ano. O meu quarto romance está quase no fim e
existe a possibilidade de o publicar, ou na Estónia ou em Portugal, ou em
ambos, ainda antes da chegada do próximo Inverno.
Há seis anos que vive na Estónia e foi precisamente
neste país que escreveu o seu primeiro livro O Homem que
Queria Ser Lindbergh. Esta mudança de país teve
alguma mea culpa para o nascimento
dessa obra?
Sem dúvida. É um fenómeno
tipicamente tautológico: mudei-me para Tallinn porque a cidade me inspirava e a
inspiração que Tallinn me emprestou tornou-me bem mais produtivo, o que me fez
permanecer em Tallinn, que me continua a inspirar. (Man)temos uma relação muito
simpática entre nós. Já é, de certa maneira, a minha cidade, talvez pelo facto
de todos os meus filhos terem lá nascido (dez em papel e uma bebé linda em
carne e osso).
É autor do livro de microcontos Circo
Vicioso, cuja edição bilingue português-castelhano encontra-se já
publicada. Como nasceu a sua paixão por esta esteira literária?
Vem da minha adolescência, ainda antes dos vinte. De
outra maneira: do meu gosto pelo surrealismo, pelas minudências, da paixão que
nutro por Jorge Luis Borges (adoro o verbo nutrir) e de um tropeção bastante
improvável num livrito intitulado "Crimes Exemplares", de Max Aub.
Sem me aperceber logo, as micronarrativas haviam-se convertido num destino
manifesto.
E, claro, o suplemento DN Jovem fez o resto ao
publicar-me. Enfim, achei que tinha jeito para a coisa e ainda continuo a
acreditar em tal ideia. Obriga-me a escrevê-los, é uma ginástica muito própria
que me entretém o cérebro.
Dentro do naipe de literatura de viagem, qual o seu escritor preferido e
que livro mais o fascinou?
Sem quaisquer dúvidas, Bruce
Chatwin e Bill Bryson. Mas também o próprio Borges, de todos o mais universal e
que se dava ao luxo de dar várias voltas ao mundo por dia sem sair da sua
biblioteca. A "História Universal da Infâmia" foi um choque (positivo)
brutal para mim. Durante cinco anos ofereci-o em todos os aniversários. Também
porque era um livro de bolso muito barato e a minha mesada de estudante mal
dava para um abatanado.
Quais as principais diferenças que encontra entre o leitor português e o
leitor estónio? Os hábitos de leitura são idênticos?
Book Trailer |
Três perguntas numa só: Escreve mais e melhor em português ou em estónio?
Como disciplina os seus hábitos de escrita? Um dia escreve em português e
noutro em estónio?
Não
escrevo em estónio. Por lá escrevo em inglês.. Aliás, o português e o inglês
são as únicas línguas em que escrevo os meus originais. Muito raramente em
castelhano. Contudo, há aqui algo curioso e surpreendente para mim: ter que
começar a redigir crónicas em inglês acabou por influenciar a minha escrita em
português: as composições tornaram-se mais claras e concisas para o leitor.
Acho que precisava disso. Às vezes, assumo, há um lado rococó em mim que me
lixa.. Vivo nessa tensão entre o meu lado brega e a minha
pseudo-erudição de viajante. É terrível. Quanto à disciplina, é sair de casa.
Tomo o pequeno-almoço com a família, respondo aos emails do dia, pago as contas
por netbanking e lá vou eu para um dos meus cinco cafés de Tallinn (ou
Lisboa, ou Amsterdão, ou Girona, ou...). Seis horas de criação diária em frente
ao um burburinho qualquer. Tem resultado.
O João Lopes é um viajante inveterado, tendo já percorrido todos os
Continentes. Recorrendo a três verbos, pode definir o que é viajar?
Em cinco palavras, uma por continente: uma
curiosidade que não controlo.
Qual o endereço desconhecido que urge em si ver desvendado?
Varia todos os dias. Hoje, por
exemplo, sinto-me estúpido por não conhecer o Senegal. Apanhei o autocarro
número 758 para o Chiado e vim a falar com a Mamã Barr, uma senegalesa
que vive em Lisboa há 12 anos. Deixou dentro de mim uma semente qualquer...
Qual o país que já visitou mais vezes, em trabalho?
Vários países europeus. Pela proximidade de Portugal
e da Estónia, naturalmente. Contudo, as mais pesquisas mais profundas e
sistemáticas até hoje aconteceram na Austrália. Fui lá três vezes e fiquei um
mês de cada vez. Em 2005 fui como repórter da revista "Volta ao
Mundo" e voltei em 2008 para escrever o meu segundo romance, "Terra
Java", que é sobre a descoberta secreta da Austrália pelos
portugueses.
Escreve artigos de opinião em revistas e jornais tanto estónios como
portugueses. Para si, no acto de escrever, qual o factor fundamental ou
indispensável para o concretizar?
Julgo que tenho uma visão muito
própria do mundo. Gosto de muita coisa mas tenho uma enorme dificuldade em
identificar-me com as mentalidades alheias. Nos EUA têm uma palavra bonita para
pessoas como eu — chamam-lhes "mavericks". É isso: quando escrevo
gosto de ser maverick. Dá para rasgar, provocar, questionar...
Foi guionista do programa Cuidado com
a Língua, da RTP. Como espectador assíduo que fui do programa, lembro-me
que além de ser um espaço lúdico e informativo, tinha também alguma dose de
humor. Admite ser o João o culpado por esta última parte, suponho?
Eu, pelo menos, quero acreditar que sim... Enquanto
guionista, a minha função foi trazer alguma fantasia ao programa. Levámos quase
um ano a afinar o projecto e creio que a dose de ironia e humor não enjoa o
telespectador. Antes pelo contrário: tornou-se uma imagem de marca do programa.
Sinto-me feliz por isso. Pus muito de mim ali..
O João Lopes é também blogger.
Qual o seu ponto de vista em relacção ao mundo da blogosfera – na esfera dos
blogues literários?
Confesso que vou acompanhando com alguma displicência
a blogosfera em português, embora tenha já notado a importância (e o impacto)
de certos blogues na formação da opinião e do gosto literários. De resto, já
por lá li (caramba, lá li é uma aliteração estranhíssima) de tudo sobre os meus
livros. Do piorzinho ao genial, e isso faz-me acreditar que da plutocracia
estamos mesmo a caminhar finalmente para a democracia. Parcial que seja, ela
impor-se-á um dia, acreditem.
Para o leitor que acaba de ler
esta entrevista e ficou com curiosidade em comprar algum dos seus livros, qual
o que recomenda em primeiro?
Comprem o "Choque
Cultural" porque está fresquinho. É um livro típico de Verão e tem muito
das minhas experiências como pessoa e repórter de viagem. Contudo, se quiserem
descer um nível em profundidade, ou vários, muitos, então avancem directamente
para o meu romance "Iberiana", que é sobre a invenção de uma
religião. Curiosamente, também tem muita viagem por lá: é uma revisitação da
nossa civilização■
Blogue e página do Facebook do autor.
Nota: A entrevista foi realizada via e-mail.