2 poemas retirados de «Luz Última», de João Luís Barreto Guimarães
Decepção à regra
Sentar-me e ver os outros passar é o meu exercício favorito. Entretém. Não esgota. É gratuito. Neste meu jogo-do-não são os outros que passam (é aos outros que reservo a tarefa de passar). Lavo daí os pés. Escrevo de dentro da vida. Pode até parecer que assim não chego a lugar algum mas também quem é que quer ir ao sítio dos outros?
(p. 24)
Acto de contrição
Pela luz rara da garagem dois vultos vão pôr o lixo. São velhos desconhecidos. Um ao outro dão passagem (a máscara de um cumprimento) esquivos na escatológica arqueologia das misérias. Homens de lixo na mão: exímios a ocultar versos da vida doméstica (quando o gesto liso cabe ao avental abundante que os devolve a casa). Há em todo esse agravo uma redenção ferida (um juízo resolvido) como que um indulto lento. (p. 49)
João
Luís Barreto Guimarães, in Luz Última, Livros Cotovia, 2006
1 comentário:
Gostei! Obrigada pela partilha!
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