terça-feira, 21 de agosto de 2018

Livro de Joseph Conrad entre as novas publicações

O Castelo do Homem Ancorado
de J.-K. Huysmans
O livro atravessa-se de sonhos, compraz-se com a descrição das mais delirantes formas da incomunicabilidade, do drama do homem vivo que come e é comido.
Solteiro, misógino, com um azedume que lhe chegava das rotinas de manga-de-alpaca no Ministério do Interior, assim foi sentido J.-K. Huysmans nos seus trinta e três anos de vida literária. Muito afamado na prosa, houve muito perto dela a legenda de uma audácia com que entreteve à mesa dos cafés de Montmartre um discurso onde se cruzavam as ironias e as frustrações do celibatário. No seu Livre des Masques, Rémy de Gourmont regista-o numa dessas cavaqueiras: «Inventava as metáforas mais atrevidas para traduzir experiências e preocupações sexuais, e as mais sujas também. São castos os seus livros, se os compararmos com as conversas que ele animava.»
Na literatura, onde deixou o seu nome flamengo semi-inventado (o verdadeiro era Charles Marie Georges Huysmans [Paris, 5 de Fevereiro de 1848-Paris, 12 de Maio de 1907]) bebido numa ilustre cepa de pintores da Flandres, foi exemplo de um notável domínio da palavra. E com essa frase «pintada», que pretendeu sentir como metamorfose em escrita da pincelada flamenga, pretendeu terçar armas pelo «naturalismo» — quase uma obrigação, um preço exigido pela sua convivência apertada com Émile Zola.
[…]
Em 1887, com um intervalo de poucos meses publicava Un Dilemme, novela nada menos do que fuliginosa, e este En Rade (que à letra significa apenas «ancorado» mas o título português complica, por razões estéticas e comerciais, chamando-lhe O Castelo do Homem Ancorado). A sua inspiração ainda vagueia numa fronteira que não se declara aberta ao satanismo, mas é nitidamente banhada pelos seus reflexos. [...]
O Castelo do Homem Ancorado é, no entanto, um estranho casamento. Faz a sombra de um cenário gótico entender-se à força com uma anedota naturalista de tédio urbano. O habitual discurso celibatário do autor corre agora por sonhos com um traçado baudelaireano, interroga-se com angustiada nevrose sobre as naturezas do mundo onírico.
[Aníbal Fernandes]

Tufão
de Joseph Conrad
«A minha tarefa, a que tento dar realização, é levar pelo poder da palavra escrita o leitor a ouvir, levá-lo a sentir — e acima de tudo a ver. Isto — e nada mais, e é tudo.»
Quando Conrad publicou em 1903 este Tufão (narrativa de uma linearidade distante das complexidades de longo fôlego imaginadas por si nesta época) já era reconhecido autor de várias obras literárias, umas quantas destinadas a futura celebridade, como The Nigger of the «Narcissus» (1897), Youth (1898), Heart of Darkness (1899), Lord Jim (1900); e consumava com ela a sua terceira e última relação literária central com uma tempestade marítima.
Poderia tomar-se este Tufão como exclusivo pretexto para palavras que fizessem chegar a magnífico umas quantas descrições de mar em fúria, sem muito visível equivalente na história da Literatura, mas em Conrad há sempre o essencial desejo de mostrar o homem como criatura não autónoma, parte do elemento que o envolve e corajosamente enfrenta. Ele próprio escreveu, a lembrar-se desta ameaça latente da vida dos homens no mar: «Parece que as tempestades foram enfrentadas como inimigos pessoais […] mas são adversários [que pertencem ao mundo], com ardis que temos de dissuadir, ultrapassar na violência, e com os quais temos de viver dias e noites.» […]
Quando Tufão foi publicado em livro […] Conrad sentiu a tentação de desfazer alguns equívocos: «Logo que o capitão MacWhirr me surgiu, vi que era o homem para a situação. Não quero com isto dizer que o tenha visto em carne e osso, ou mesmo que tenha entrado em contacto com o seu espírito prosaico e o seu indomável temperamento. MacWhirr não é um conhecimento de umas quantas horas, ou de umas quantas semanas, ou de uns quantos meses. É o produto de vinte anos de vida. Da minha própria vida. Nele, a invenção consciente pouca parte teve. Se é verdade que o capitão MacWhirr nunca andou nem respirou neste mundo (o que eu acharia, pela minha parte, muito difícil de acreditar), também posso assegurar aos meus leitores que é de uma absoluta autenticidade. E posso aventurar-me a garantir o mesmo no que respeita a todos os pormenores da história, confessando também que o particular tufão da narrativa é, de facto, da minha pessoal experiência.
[Aníbal Fernandes]
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