terça-feira, 4 de abril de 2017

«O Leitor do Comboio», de Jean-Paul Didierlaurent

Editora: Clube do Autor
Data de publicação: 09/03/2017
N.º de páginas: 196

O romance a que este texto faz análise, chegado às livrarias portuguesas há quase um mês, foi publicado em França em Maio de 2014. Le Liseur du 6h27, um trabalho de tradução de Inês Castro, tornou-se um verdadeiro campeão de vendas não só em solo francês, mas em alguns dos cerca de trinta países cujas traduções estão contabilizadas. No texto sinóptico de O Leitor do Comboio, pode-se ler que esta é «uma obra que é um hino à literatura».
Este romance de estreia de Jean-Paul Didierlaurent (n. 1962), ambienta-se em 2012, em Paris, e tem como personagem principal Guylain Vignolles, um homem solitário de trinta e seis anos. Ele gosta de ler, mas sendo operador-chefe de uma empresa de reciclagem de tratamento e reciclagem natural, o seu trabalho consiste em accionar uma máquina que destrói e esmaga avidamente livros, algo que o transtorna interiormente há quinze anos. Esse trabalho, que ele esconde da sua própria família, não é de todo feito com agrado, mas para este homem que «passava o tempo a não existir», é o seu único sustento. Todavia, esse seu trabalho não o define; apenas é uma parte da sua vida; e como ele irá ler num diário que encontrará numa pen drive no comboio que o transporta diariamente: «As pessoas não esperam de nós, regra geral, senão uma única coisa: que lhes devolvamos a imagem do que querem que nós sejamos.»
Algumas páginas dos livros que são destruídos, contudo, tirando ficarem molhadas, escapam incólumes. Essas páginas soltas, Guylain as rouba discretamente para não ser filmado nas câmeras de vídeo vigilância que o seu chefe, um homem que «não falava. Latia, gritava, berrava», mandou instalar na empresa. Diariamente, nas duas viagens de vinte minutos que ele demora no comboio, Vignolles lê esses textos em voz alta para os passageiros, tornando o quotidiano dessas pessoas vulgares como ele, um pouco diferente.
O dia-a-dia pacato do protagonista muda drasticamente com o aparecimento de Julie, uma rapariga também solitária e amante da leitura, mas que ao contrário dele, gosta de escrever: «O mal-estar, que congelava habitualmente as suas feições numa máscara triste, desaparece.»
Outros personagens que aparecem nesta narrativa, «um amputado que passa o tempo à procura das suas pernas e um versejador que só sabe falar em versos alexandrinos», dão um sentido humorístico e surreal a esta história dividida de modo tácito em duas partes.
Uma dúvida é lançada ao leitor a partir da segunda parte do livro: será que a rapariga que enfeitiça o protagonista é uma pessoa de carne e osso ou fruto da imaginação da pessoa que escreveu os textos contidos no diminuto dispositivo  de memória?
O Leitor do Comboio é um livro pleno de originalidade, cujo maior encanto reside na simplicidade da prosa de Didierlaurent e na vívida caracterização que ele faz dos personagens. O romance explora o poder redentor dos livros e desmistifica estigmas e crenças pré-estabelecidas que as pessoas têm em relação a determinado tipo de profissões.
Tirando alguns pequenos detalhes da trama que poderiam ter sido melhor desenvolvidos (como a relação de Guylain com o pai), O Leitor do Comboio revela-se uma obra que confere todos os elogios da crítica especializada e dos leitores em geral.
Há que destacar a capa desta edição portuguesa, que é muito apelativa e, em comparação com as edições já publicadas internacionalmente, revela um trabalho distinto; parabéns à equipa de design da Clube do Autor.

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