domingo, 6 de julho de 2025

«Memórias do Cárcere», de Camilo Castelo Branco

Editora: INCM
Data de publicação: Julho 2016
N.º de páginas: 368


De Outubro de 1860 a Outubro do ano seguinte, o escritor Camilo Castelo Branco, por estar suspeito de crime de adultério com Ana Plácido, esteve preso na Cadeia da Relação do Porto. O que aconteceu durante esse ano de reclusão (o autor tinha trinta e cinco anos) é-nos relatado nas páginas de Memórias do Cárcere, uma obra autobiográfica onde o autor, faz uma profunda análise psicológica da condição humana. 
Neste livro, Camilo narra em primeira pessoa as duras condições da prisão oitocentista e o sofrimento humano que presenciou. O ambiente opressivo da cadeia, o impacto emocional da reclusão e a injustiça do sistema judicial da época são temas centrais do livro. A obra combina introspecção poética, crítica social e episódios vividos ou testemunhados durante o encarceramento, como a visita do Rei D. Pedro V, a convivência com figuras como Zé do Telhado e o relato de histórias pungentes de outros reclusos. A prisão foi também o cenário onde amadureceu sua crítica à moral da sociedade, à hipocrisia e às arbitrariedades do poder. 
Memórias do Cárcere mistura autobiografia e ficção, mostra a genialidade de um dos maiores escritores portugueses, cuja escrita foi marcada pela sensibilidade e pela observação aguda dos dramas humanos. Camilo foi o primeiro escritor profissional em Portugal, autor de mais de duas centenas de obras, dispersas entre os géneros romance, poesia, teatro e biografia. 
Durante o cativeiro, o autor escreveu Amor de Perdição, o seu romance mais célebre,a sua magnus-opus, escrita durante um período de quinze dias, inspirado no seu relacionamento com Ana Plácido. 
Esse ano de prisão foi transformado em testemunho literário e intemporal, sendo Memórias do Cárcere uma reflexão não só da sua dor pessoal, mas também a dos seus companheiros de cela, revelando empatia e humanidade. 
O bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, que está sendo assinalado em 2025, tem feito com que novas edições de obras suas, como Maria da Fonte (Ed. Bertrand), A Filha do Arcediago (Ed. Opera Omnia), A Bruxa de Monte Córdova (Ed. Glaciar), estejam a atrair novos leitores para o mundo camiliano. 
Como curiosidade: a cela onde ficou preso permanece como memória viva no actual Centro Português de Fotografia; A sua casa em Seide é hoje Museu e centro de estudos, preservando o legado de um dos vultos mais intensos e contraditórios da literatura portuguesa. 
Outras obras do autor encontram-se publicadas pela editora INCM, como A Sereia, Vinte Horas de Liteira, Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado e Novelas do Minho

Excerto 

«Antes de contar como passei a primeira noite de cárcere, perdime logo, como costumo, em divagações, que o leitor, já afeito com o meu génio, aceita com benevolência. Às nove horas da noite os guardas correram os ferrolhos, e rodaram a chave da pesada porta do meu cubículo, a qual rangia estrondosamente nos gonzos. Estava sozinho. Senteime a esta mesma banca, e nesta mesma cadeira. Estavam aqui defronte de mim alguns livros (...) Folheeios todos, e de todos me fugia o espírito para entrar no coração, e sair de lá em ânsias do inferno que lá ia.»

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