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Editor: Minotauro
Data de publicação: Março de 2022N.º de páginas: 162 |
Publicado em 1902 e imediatamente lançado no âmago de uma verdadeira celeuma pública, O Imoralista apresenta-se como um romance de sedutora inquietação moral. Nele se acompanha a jornada interior de Michel, um jovem de vinte e quatro anos, recém-casado, que durante a lua-de-mel no Norte de África é acometido por uma doença severa, quase fatal. A convalescença, porém, transfigura-se numa espécie de renascimento: uma epifania vital que o impele a redescobrir o prazer da existência e a pulsação do desejo, sobretudo quando estabelece uma ligação ambígua e perturbadora com um adolescente árabe. É a partir desse contacto com a própria vulnerabilidade — e com a promessa vertiginosa da liberdade — que Michel começa a interrogar, com crescente audácia, os limites morais e sociais que o moldaram.
Rico, culto e herdeiro de uma educação rígida, Michel casara com Marceline mais por deferência ao pai agonizante do que por verdadeira inclinação afectiva. Após a doença, movido por gratidão pelos cuidados sacrificiais da esposa, envolve-a num afecto quase devoto. O casal parte então numa longa viagem por França, Itália, Tunísia, Malta e Suíça, como se buscassem, na mobilidade, a vertigem de uma vida nova. Mas, já de regresso a casa, é Marceline quem adoece: «A doença entrara em Marceline, habitava nela doravante, marcava-a, manchava-a. Ela era uma coisa destruída.» A frase, dilacerante, resume a lenta corrosão do vínculo conjugal e a incapacidade de Michel de regressar à antiga vida moralmente ordeira.
Na belíssima tradução portuguesa de Jorge Melícias, O Imoralista revela-se um feito literário de rara ousadia. Gide investe contra os dogmas da burguesia europeia e denuncia, com lucidez implacável, as forças insidiosas que restringem a liberdade do indivíduo. O romance — impregnado de elementos autobiográficos — foi recebido com surpreendente apreço crítico, apesar da matéria escandalosa da trama, centrada num homem que «não tinha força suficiente para manter uma vida dupla». A obra afirma-se, assim, como um dos pilares da produção do escritor, que, anos mais tarde, fundaria a mítica Éditions Gallimard e receberia o Prémio Nobel de Literatura em 1947.
Depois de Os Meus Oscar Wilde (2020) e As Caves do Vaticano (2022), veio a lume pelas Edições 70 o ensaio Córidon (2022), um texto fulcral em que André Gide enfrenta, com coragem e clarividência, os preconceitos homofóbicos da sociedade do início do século XX.
Excerto
«Aquilo que sentimos em nós de diferente é precisamente aquilo que possuímos de raro, aquilo que confere valor a cada um»

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