quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

«O Corpo Não Esquece», de Bessel van der Kolk

Editora: Lua de Papel
Data de publicação: 27 Outubro 2020
N.º de páginas: 616
O interesse científico no trauma tem conhecido variações imensas nos últimos 150 anos. O holandês Bessel van der Kolk (n. 1943), um especialista mundial nos efeitos do trauma, define trauma como «uma memória que está simultaneamente inscrita na mente, sob a forma de palavras e imagens mentais, e no corpo.»
As experiências traumáticas deixam sempre marcas, sendo o desafio de qualquer especialista em doença mental minimizar as sequelas de experiências traumáticas e fazer com que o paciente recupere o domínio do seu próprio ser. Reescrever memórias, em vez de destruí-las, é, portanto, o caminho a seguir.
Após a sua formação, este psiquiatra começou a tratar de veteranos americanos da Guerra do Vietname, que padeciam de Transtorno de Stress pós-traumático (TSPT), um diagnóstico muito recente na altura, reconhecido oficialmente pela Associação Americana de Psiquiatria em 1980. Ao dar-se conta das profundas cicatrizes psicológicas que a guerra formou na psique desses pacientes, ele começou a interessar-me e a fazer pesquisas e investigações científicas sobre o trauma, tendo posteriormente fundado o Trauma Center, um dos primeiros centros clínicos de pesquisa nos EUA dedicado ao estudo e tratamento do TSPT.
Informando que cada dez mais os norte-americanos tomam psicotrópicos (antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos), na página 55 deste seu quarto livro, o mais popular, saído em 2014 sob o título The Body Keeps the Score – já vendeu mais de três milhões de exemplares e foi traduzido para 32 idiomas –, escreve: «A medicina dominante está firmemente convencida das virtudes da química para melhorar a vida e raramente leva em conta que podemos realmente mudar por outros meios a nossa condição física e o nosso equilíbrio interior.»
António Damásio é apenas um dos muitos especialistas de renome internacional com quem o autor se cruzou durante o seu trajecto profissional, que é referido durante a leitura deste livro.
O Corpo Não Esquece é um trabalho que apresenta as mais recentes descobertas da ciência no campo da neurociência, psicopatologia e neurobiologia. O autor compartilha connosco a sua experiência com pacientes ao longo da sua carreira, com mais de 30 anos.
Bessel van der Kolk, um grande defensor das abordagens de consciência corporal para o tratamento de traumas e para uma vida plena, fornece descrições de uma série de terapias que tem usado para tratar doentes com diagnóstico de Transtorno de Stress pós-traumático – como o EMDR (um capítulo do livro é dedicado exclusivamente a abordar este método de psicoterapia no qual o paciente é solicitado a recordar episódios/imagens angustiantes), o neurofeedback, o mindfulness e o ioga.
Após a leitura deste livro oportuno e bem escrito (contém alguma terminologia técnica, especialmente em relação ao funcionamento do cérebro, mas está bem esmiuçado para o leitor leigo na matéria), confirma-se o que vem escrito na badana de O Corpo Não Esquece: «Este livro é uma verdadeira mina de ouro de informação.»
Excertos:
«Poder sentir-se em segurança com outras pessoas é provavelmente o mais importante aspeto singular da saúde mental.» (p. 110)

«Não ser visto, não ser reconhecido e não ter um sítio para se refugiar é sempre devastador, seja qual for a idade, mas é especialmente destrutivo para crianças que ainda procuram o seu lugar no mundo.» (p. 124)

«Uma vinculação sólida (…) cria um lugar de controlo interno, o factor-chave para uma adaptação sã ao longo da vida.» (p. 160)

«Tudo no ser humano – o cérebro, a mente e o corpo – está orientado para a colaboração em sistemas sociais. Esta é a nossa estratégia de sobrevivência mais poderosa, a chave para o nosso êxito enquanto espécie.» (p. 240)

«Ninguém consegue “tratar” uma guerra, um abuso, uma violação, uma agressão – ou outra atrocidade qualquer; o que foi feito não pode ser desfeito. Mas o que se pode tratar são as marcas que o trauma deixou no corpo, na mente e na alma.» (p. 291)

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