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Data de publicação: 13-02-2020
N.º de páginas: 240 |
Miguel Filipe Mochila traduziu para português Lluvia fina, romance considerado pela crítica espanhola como o melhor do ano em 2019. Este nono romance de Luis Landero (n. 1948), que será adaptado para o teatro e televisão, foi publicado 30 anos após a sua estreia na literatura com Jogos da Idade Tardia (Dom Quixote, 1992).
Não é spoiler dizer que esta história começa por ser banal e festiva e que acaba em ruína e em desgraça; logo nas primeiras páginas, somos informados sobre o início e o fim.
Em 2018, para comemorar o octogésimo aniversario da mãe, Gabriel, um professor de 45 anos, decide reunir a família, para saldar ofensas e rancores que eles guardam uns pelos outros. Aurora, a mulher, não acha uma boa ideia: «Não telefones já. Espera pelo menos até amanhã. Mas ele não a ouviu.»
Já tinha passado dez anos desde a última vez que Gabriel e as irmãs Sonia e Andrea se tinham juntado todos, na casa da mãe, num almoço que culminou com o rompimento de relações entre estes irmãos «quase inimigos» deste os tempos de adolescência.
A matriarca, uma mulher austera, pessimista e materialista, cedo ficou viúva, e com três filhos para criar sozinha. A inaptidão para ser uma mãe afectuosa e pouco ambiciosa para com o futuro dos filhos, fez com que a filha mais velha, Sonia, aos 14 anos, largasse o seu sonho de estudar línguas para poder viajar pelo mundo, para trabalhar numa retrosaria. Fez com que Andrea, dois anos mais nova, largasse os estudos para trabalhar num lar de idosos. E, para desolação e inveja das irmãs, deixou o filho mais novo seguir os seus desígnios sem se opor.
Casamentos forçados, abusos consentidos, mentiras cruéis, traumas que não se pode delir. Cada membro desta família tem as suas histórias importantes para contar.
«Todos temos uma data de palavras guardadas cá dentro que são como feras enjauladas e famintas que se debatem para ver a luz do dia.»
Aurora é uma das personagens centrais desta trama, visto ser a ela – que por ser uma mulher que ouve, cala e compreende – que todos contam os seus segredos: «ela nunca se importou de ouvir os outros», ela «alivia os pesares de todos e pacifica as discórdias.» O que eles não sabem é que também Aurora tem uma história para contar.
«As águas passadas regressam sempre turvas»
Chuva Miúda é um romance magistral, entusiasmante, lúgubre e completamente original. Através de uma estrutura polifónica pouco usual, uma linguagem cuidadosa e densa camuflada por uma aparente simplicidade, e uma excelente construção psicológica dos personagens, Luis Landero apresenta uma história crível e avassaladora sobre os relacionamentos familiares e românticos.
Sobre este seu romance, numa entrevista que deu em Dezembro passado ao El Mundo, o escritor espanhol de 72 anos, que é considerado um dos nomes essenciais da literatura espanhola, disse: «En la familia todo se encona porque hay cuentas que sanar, agravios que la imaginación exalta. O se inventan. Traumas... Y, por supuesto, reproches que se suelen hacer tardíamente. El victimismo está en todas partes, siempre buscamos culpables (…) Las frustraciones las proyectamos en la familia.»
Excertos
«A verdadeira felicidade só se encontra no mais fundo da dor, (…) só aí é que uma pessoa aprende a amar o próximo a sério.»
«Instala-se um longo silêncio. Mas os silêncios já não são como dantes. Dantes, o que as palavras evitavam ou se esqueciam de dizer diziam-no os silêncios com o descaramento das crianças ou dos papagaios, mas agora não, agora os silêncios carecem de vida e não têm nada a acrescentar ao já dito. São tão brutos e espessos, os silêncios, que nem sequer os lugares-comuns, as frases feitas, conseguem penetrar neles.»