sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Novos livros com o selo da editora Caleidoscópio

Estas são duas novidades da ORO, uma chancela da ressurgida editora Caleidoscópio.

Nove Décadas de Memórias
de Leonor Senna

Leonor Senna narra acontecimentos e episódios vividos ao longo de nove décadas, que nos agarram ao texto, quer num clima divertido, quer dramático, quer intensamente romântico, sem no entanto abdicar das normais referências biográficas.
Vamos conhecendo uma personagem de convicções precocemente vanguardistas, defensora dos direitos humanos, da liberdade política e religiosa não fundamentalista, da igualdade mental dos sexos, e que aproveita a diversidade e os opostos do seu meio familiar, superando circunstâncias adversas com uma coragem e força pouco comuns.
Vamos encontrando referências aos usos, costumes e políticas das várias épocas atravessadas, que ora nos fazem sorrir, ora indignar.
Porém, a coerência que procura manter nem sempre é possível na simultaneidade de um espírito aberto, sensível e aventuroso, e somos surpreendidos por ousadas aventuras de perigo e de paixão.
Este livro, que aborda pedagogias, economias, e interessantes percursos turísticos e gastronómicos, transmite uma mensagem de alegria, esperança, amor abrangente, e a convicção da importância de cada um na construção de um futuro sociopolítico mais equitativo e defensor da natureza.
Esta biografia, rica em situações ora simples, ora complexas, não deixará ninguém indiferente.

«Finalmente vem a lume a biografia de uma das mais extraordinárias mulheres da sociedade portuguesa, Leonor Senna. (...) Foi das primeiras mulheres a formar-se em Arquitectura e conta-nos, nestas linhas, como conseguiu manter as rédeas das suas ideias progressistas, artísticas, mas sobretudo sociais e culturais, num mundo dominado pela vontade masculina.» Joana Mello


 Metrónomo sem Função
de Laura do Céu
Nesta sua estreia literária, Laura do Céu, pseudónimo de Soraia Simões de Andrade, procura uma linguagem ficcional a partir da autobiografia, entendida não como representação mimética de um percurso de vida da autora, mas como a ficcionalização da trajetória que a consciência subjetiva da narradora empreende em busca de compreensão do seu lugar no mundo.
Dois eixos me parecem igualmente determinantes e imbricados na estruturação desta narrativa: a reflexão sobre a dimensão proteica da perda, codificada nas perdas pessoais da narradora, na fabulação do corpo em perda e do confinamento hospitalar, e nos caminhos que essas perdas abrem em termos da autocompreensão e da afirmação do sujeito da escrita; e a coincidência desse processo de descoberta e afirmação pessoais com o lento despertar da consciência cívica e da liberdade criativa e do lazer numa jovem democracia na periferia da Europa.
O episódio da professora Cassilda e de como ela deixa de reguar os seus alunos é talvez o melhor indício da importância deste registo, como o metrónomo, com a sua história anticolonial, é o objeto que melhor marca um tempo fora dos gonzos, as ressurgências palimpsésticas da moralidade patriarcal na confluência do mundo rural e da urbe provinciana. A unir estes dois eixos está o trabalho romanesco sobre o nome próprio, e que cimenta a dimensão autobiográfica ficcional desta narrativa: a autobiografia é sempre o relato da conquista de um nome.
O nome é o pior de todos os epítetos dispensados pelos colegas de escola à pequena Zoraide, e deixou de ser um problema apenas no culminar de um ato de coragem em que ela se insurge contra o abuso físico e psicológico da professora sobre os alunos, um dos rostos serôdios do outro tempo, e assim afirma e institui a consciência de um novo direito.
O motivo da escrita como costura merece atenção especial: costura entre o vivido e o diário, e entre o diário e a sua distensão crítica na efabulação. Este é um motivo que conjura uma das figuras mais poderosas do livro, a da cicatriz que a mãe exibe à filha sempre que lhe ralha, como marca de que o nascimento é para esta narradora uma história sem remate anunciado.

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