quinta-feira, 31 de julho de 2025

«Coisas de Loucos», de Catarina Gomes

Data de publicação 3.ª edição: Julho de 2023
N.º de páginas: 264

«Durante mais de século e meio [o Hospital Miguel Bombarda] foi um mundo apartado do mundo», escreve Catarina Gomes no texto introdutório deste livro, que se revela um trabalho de pesquisa minucioso. Em julho de 2011, a então jornalista acompanhou a saída dos últimos “habitantes” do primeiro hospital psiquiátrico português, que, ao fim de 163 anos, ia ser encerrado. «Queria escrever um texto final sobre um espaço que, ao ser esvaziado de pessoas, punha fim simbólico a um capítulo da história da loucura e da psiquiatria em Portugal.» 
Depois da sua reportagem «com os últimos doentes vivos do Bombarda», decidiu escrever «sobre alguns dos seus doentes mortos», após ter encontrado no sótão do manicómio uma «banal caixa de papelão» que continha vários objetos pessoais — cartas, desenhos, cadernos, fotografias, entre outros — pertencentes a antigos doentes. «O que encontrei dentro da caixa nunca mais me abandonou.» Essa descoberta deu origem a Coisas de Loucos, publicado em Julho de 2020, um livro de não-ficção e jornalismo narrativo, com fotografias de Paulo Porfírio, que desempenham um papel fundamental na obra e que mexe profundamente com o leitor. 
A obra relata várias histórias de doentes internados nesse estabelecimento manicomial, sendo uma das mais marcantes a de Valentim de Barros, um reconhecido bailarino que esteve internado durante quarenta anos, diagnosticado com homossexualidade, considerada uma patologia grave na época. Alegre e criativo, apresentava «características feminóides», como se lia numa nota médica. Segundo a história clínica do doente, a autora conta-nos que ele foi submetido a uma leucotomia: «o objectivo da cirurgia foi mudar-lhe a orientação sexual». 
Em Coisas de Loucos, livro notável pela escrita sensível e envolvente, Catarina Gomes questiona os limites entre normalidade e loucura, mostrando como a psiquiatria foi, em determinados contextos, utilizada como instrumento de controlo social. 
A obra foi reconhecida com o Prémio de Jornalismo da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. 

Excerto 
«Os objetos da caixa recordavam-me que a maior parte dos que sofrem de doença mental não são nem artistas nem criminosos, nem geniais, nem perigosos. São como nós.»

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