quarta-feira, 2 de setembro de 2020

«Olive Kitteridge», de Elizabeth Strout

Editora: Alfaguara
Data de publicação: 07-07-2020
N.º de páginas: 352
Detesta-se, gosta-se ou adora-se a personagem que dá título ao romance com o qual a escritora americana Elizabeth Strout (n. 1956) venceu o Prémio Pulitzer de Ficção 2009. Em Portugal, Olive Kitteridge foi publicado em 2010, mas há muito que se encontra esgotado. Este romance muito aclamado pela crítica e leitores ganhou recentemente uma nova tradução portuguesa, assinada por Tânia Ganho.
Todas as treze narrativas desta história, que não são temporalmente lineares, passam-se numa pequena vila costeira de Crosby, na Nova Inglaterra, e giram em torno de uma mulher: Olive, uma professora, agora reformada, após mais de três décadas dedicada ao ensino. Sempre que ela se desloca pela povoação, os vizinhos e ex-alunos comentam em burburinho, o seu modo desajeitado e pouco feminino, o seu temperamento sagaz, implacável e, por vezes, cruel. Henry é o seu marido, um homem atencioso e sensato, bom ouvinte, que se acomodou durante toda a sua vida à monotonia do seu emprego de farmacêutico. Este casal, agora sexagenário, nunca viveu uma relação de amor intenso, mas mesmo assim mantiveram sempre o respeito e companheirismo mútuo. «(…) abandonar Olive era tão inconcebível como serrar uma perna»; «A possibilidade de Olive morrer e o deixar sozinho enche-o de insuportáveis vislumbres de horror.»
Chris, o filho dos Kitteridges, é o quiropodista de Crosby, um homem que sempre foi uma pessoa diferente, sensível, solitário. Antes de fazer 40 anos, casa-se com uma forasteira e vai viver para a casa que os pais construíram para ele. A festa do seu casamento é-nos narrada no quarto capítulo do livro, e apresenta momentos de sarcasmo e humor finos, que provocam risos no leitor. Noutras passagens da história, encontramos apontamentos hilariantes provindos da protagonista, como: «Estás a morrer à fome», quando vê uma rapariga anoréctica, ou, enquanto um assaltante aponta uma pistola ao marido, ela dispara: «Ele não tem culpa (…) é preciso ter conhecido a mãe dele para perceber de onde isso vem. A mãe dele era uma beata de primeira apanha». Mas esta mulher destemida e frontal, tem também um lado sensível, que não salta à vista.
Ao longo dos anos, enquanto aparentemente nada acontece, exceptuando as bilhardices e boatos próprios de uma pacata vila, na realidade, tudo acontece: mortes naturais, suicídios, divórcios, adultérios, acidentes, assaltos.
Numa noite, ocorre uma coisa horrível aos Kitteridges, que fez eles dizerem coisas «que alternaram a maneira como se viam um ao outro.»
Neste seu terceiro romance, Elizabeth Strout apresenta um leque de personagens psicologicamente complexas, todas elas com fragilidades e traumas por sarar. É fácil o leitor se identificar com algumas características destes personagens.
Em Olive Kitteridge, Elizabeth Strout mostra-nos que para compreender a psique humana não precisamos de julgar, mas estarmos mais atentos ao que não é dito pelo outro, tentando compreender os acontecimentos que moldaram a sua índole. Somos todos a soma das nossas experiências, crenças, infelicidades e alegrias.
Através de uma prosa precisa e elegante, a autora aborda com subtileza temas como a depressão, o envelhecimento e a degeneração do corpo e a proximidade da morte, levando o leitor a reflectir sobre esses assuntos.
Em suma, este é um romance absorvente, intenso e de impossível esquecimento.
Referir que esta obra inspirou uma premiada mini-série homónima, de quatro episódios, da HBO, estreada em 2014, com uma interpretação brilhante da actriz Frances McDormand no papel de Olive.
Tal como aconteceu com O meu nome é Lucy Barton, Elizabeth Strout escreveu uma sequela de Olive Kitteridge, publicada no ano passado pela Random House americana, com o título Olive, Again. O livro é também composto por treze narrativas e nelas a autora fala sobre o envelhecimento, a perda, a solidão e o amor.

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