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Data de publicação: 13-04-2021
N.º de páginas: 344 |
Muitas vezes, Blythe Connor pergunta a si própria: “Porque é que ela me deixou?”. A mãe abandonara-a quando ela tinha pouco mais de 10 anos, após anos de abusos e crueldade. Também a avó, uma mulher intempestiva e psicótica, sempre havera negligenciado a filha, mãe de Blythe.
Pouco tempo após se ter casado, Fox, o marido, diz que anseia constituir uma família. Não duvidando de que ele daria um bom pai, ela, que tinha ambições de fazer carreira como escritora, relutantemente aceita satisfazer o seu desejo. No seu íntimo, Blythe sabe que nunca teve certeza se queria ter filhos; decide ignorar o que o pai lhe dissera uma vez: «Blythe, as pessoas podem pensar mal de ti sem razão. A única coisa que importa é o que julgas acerca de ti própria.»
Assim que Violet nasce, prova ser uma criança difícil, chorando quando a mãe está por perto e dando tréguas apenas na presença do pai. Com o passar dos meses, a díade mãe-filha não consegue criar vínculo: ela: «olhava para a filha e pensava: Desaparece-me daqui.»
Clinicamente, fica descartada a possibilidade desta progenitora estar a passar por uma depressão pós-parto. Ela observava a relação de afecto de Fox com a filha e sentia inveja: «Quanto mais a Violet recebia de ti, menos me davas.» Começa, propositadamente, a negligenciá-la: «Habituei-me a deixá-la chorar (…) Às vezes punha os auriculares.»
Já mais crescida, a filha continua a dar problemas na creche e na escola: conseguia «intimidar facilmente os outros e de ferir facilmente as pessoas com palavras ou actos». A única escapatória que esta mulher «desequilibrada», sedenta de ser amada pela filha e novamente por Fox, consegue ver para a sua família é ter um segundo filho.
Tom vem ao mundo e o laço que se estabelece entre este bebé e a mãe à nascença (vinculação), ao contrário do que acontecera com Violet, concretiza-se. Com esta criança,
Blythe encontra a alegria e fica aliviada por conseguir amar e ser amada, pelo menos, pelo segundo filho.
Com o passar do tempo, vários comportamentos começam a parecer estranhos e perigosos em Violet, que cada vez mais isola-se, sendo a mãe a única a notar. Existirá algo de malévolo nesta criança ou será tudo fruto da imaginação desta mãe?
«Onde é que começa? Quando é que sabemos? O que é que provoca a sua transformação? De quem é a culpa?»
Neste hábil e envolvente tríler psicológico, a mãe – e nós leitores – só saberemos a verdade após lermos a última frase do livro.
Em Instinto, a escritora canadiana Ashley Audrain explora o lado negro da maternidade, abordando alguns temas controversos, mas reais, que são encobertos pela sociedade, como as mães que não conseguem gostar dos seus filhos.
Neste drama, que desconstrói a visão romântica da maternidade, abordando as incertezas e complicações que desta podem advir, a autora, através de uma narradora não confiável, que desde o início não é quem aparenta ser, nos dá um vislumbre sobre o que acontece quando as coisas não saem de acordo com o planejado.
Por que razão, na sociedade é expectável que as mulheres sejam boas mães? Será que ao fazermos uma conexão tão directiva entre feminilidade e maternidade, não estaremos a potenciar e pressionar a expectativa de que a maternidade deve ser algo natural para as mulheres?
Visceral. Acutilante. Chocante. Este é um romance que não deixará ninguém indiferente. Vai causar burburinho, devido ao poder absoluto e convincente do seu impulso narrativo.
Instinto (The Push [O Empurrão]) é o romance de estreia de Ashley Audrain, ex-agente publicitária, chegará a pelo menos 30 países e a sua adaptação ao cinema já foi confirmada.
Excertos
«(…) há muita coisa sobre nós próprios que não podemos mudar… nascemos assim, e pronto. Mas somos parcialmente moldados pelo que vemos. E pela forma como as outras pessoas nos tratam. Pela maneira como reagimos emocionalmente.»
«Tive vontade de lhe bater, de lhe enfiar a cabeça no sofá e pôr-lhe a boca a sangrar.»
«Quem me dera que a dor fosse mais forte. Quem me dera senti-la ainda, como se tivesse acontecido hoje. Por vezes, tenho momentos em que a dor desaparece e dou comigo a pensar meu Deus, estou morta por dentro.»
«Queria sobretudo sobreviver aos dias, à medida que eles rebolavam como pedregulhos que vão batendo uns nos outros.»
«(…) queria sentir-me usada, de uma forma mecânica que fizesse o meu corpo sentir-se separado da minha essência. Queria sentir-me uma barcaça no mar. Enferrujada, fidedigna, amolgada.»