sábado, 13 de dezembro de 2014

«Fernando Pessoa – O Romance», de Sónia Louro

Data de Publicação: 07/11/2014
N.º de Páginas: 448

Em 1915 Fernando Pessoa escreveu que se depois dele morrer quisessem escrever a sua biografia, dela haveria de constar apenas duas datas: «a da minha nascença e a da minha morte / Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.» Foi exatamente o que a escritora Sónia Louro (n. 1976) se incumbiu de fazer: se imbuir nas múltiplas facetas do poeta e reviver os acontecimentos mais marcantes da sua existência, que decorreu no hiato entre 13/06/1888 e 30/11/1935. A autora vestiu a pele e deu voz a este poeta maior de Portugal e do mundo. O resultado intitula-se Fernando Pessoa – O Romance, uma obra que mistura mais de metade do seu conteúdo em factos, com alguma imaginação (embora seja uma irrealidade que possa efectivamente ter acontecido), escrita na primeira pessoa, ou seja, pelo «eu» que engendrou muitos «eus» à sua volta, aquele que tinha a intenção de ser tudo de todas as maneiras.
A primeira das sete partes que dividem este livro cinge-se na infância e adolescência de Pessoa, onde acontecimentos traumáticos como as mortes do pai e de dois irmãos, a mudança de residência de Lisboa para Durban (África do Sul), têm grande impacto na formação da sua índole melancólica, avessa ao apego e ao sentimentalismo.
De volta a Lisboa, em 1905, inicia o Curso Superior de Letras e posteriormente começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais. Ao frequentar estabelecimentos onde a gíria cultural se reunia, conhece personalidades das letras e das artes como Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, com quem funda a polémica revista «Orpheu», em 1915, dando início ao movimento modernista em Portugal. Durante este período Fernando Pessoa vai acumulando escritos de géneros diversos e guardando-os na sua fiel «arca», onde após a sua morte serão descobertos mais de 27 mil documentos.
A relação amor-desamor entre Fernando Pessoa e a mãe; como nasceu a profunda empatia entre Fernando e Mário de Sá-Carneiro; como se deu o encontro e a correspondência trocada entre Pessoa e Ophélia Queiroz; a génese de algumas das suas obras, como a Mensagem; algumas revelações sobre alguns heterónimos como Chevalier de Pas, Alexander Search, Rafael Baldaya, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos; o excêntrico encontro entre o mago inglês Aleister Crowley e Pessoa, na Quinta da Regaleira; o interesse do poeta por Astrologia, Alquimia, Espiritismo e Maçonaria; a história caricata do famoso slogan que Pessoa criou para a Coca Cola «Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se» (tão citada hoje em dia, por todos); a permanente solidão, os vícios, as dívidas, as fobias e os medos de que padecia em segredo e em sofrimento; estes são alguns dos assuntos abordados ao longo deste livro que se lê celeremente, devido aos breves, concisos e inebriantes capítulos escritos num registo íntimo, pessoalíssimo, cativante, onde a autora revela ser mestre na arte de persuadir o leitor a se olvidar que é a Sónia Louro quem está a escrever e não o próprio Fernando Pessoa.
Como todas as bem conseguidas obras biográficas Fernando Pessoa – O Romance está provido de notas de rodapé (são 471 notas), onde são mencionadas todas as fontes de informação. João Gaspar Simões, Teresa Rita Lopes e José Paulo Cavalcanti Filho são alguns dos autores e investigadores pessoanos a quem a autora recorreu mais, para trazer à obra mais credibilidade. Por conseguinte, as imensas citações vindas neste livro de cartas trocadas entre o biografado e inúmeras outras personalidades, citações de obras de e sobre Fernando Pessoa, saturam um pouco o leitor. Este amontoado de aspas vêm reforçar a vontade da autora de Amália - O Romance da Sua Vida (2012) e de outras biografias, de apresentar uma obra o mais verosímil possível. Em suma, esta obra é uma verdadeira homenagem ao autor de Livro do Desassossego, que desmistifica, acrescenta saber e faz crescer o nosso interesse em ler mais sobre o poeta maior da Lusofonia.


Excerto:
«Levanto-me mais uma vez da cama. Daqui, a noite parece uma eternidade e o sono uma utopia. Só me resta o sonho. Nunca parei de sonhar, porque toda a vida é um sonho por onde andamos sem saber o que fazemos nem o que queremos. E eu continuo a andar, ando, ando, ando sempre.» (p. 259)


1 comentário:

Helena Isabel Bracieira disse...

Já tenho este livro e as suas críticas têm sido óptimas. Vou lê-lo em breve! :D