quinta-feira, 14 de abril de 2022

Anaïs Nin, Jean Cocteau e Victor Segalen são os autores de novos livros da Sistema Solar

São as mais recentes publicações com o selo da Sistema Solar. Estas 3 obras, de autores franceses que foram contemporâneos na sua época (Anaïs Nin: 1903-1977; Jean Cocteau: 1889-1963; Victor Segalen: 1878-1919), tiverem tradução a cargo de Aníbal Fernandes.


Casa de Incesto
«O seu nome. Naquele registo de Neuilly-sur-Seine e numa página de Fevereiro de 1903 consta que o seu pai, um pianista cubano, e a sua mãe vagamente cantora com uma complicada ascendência de dinamarqueses, cubanos e franceses, lhe deram um nome de linha inteira; e vemo-nos incitados a percorrer num esforço de nove palavras, não menos, as que lhe chamam Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell. Tudo o que veio a parecer-lhe — mesmo num tempo de alargados nomes que eram aviso de bons nascimentos — excessivo; e que aos vinte e nove anos de idade, quando teve de designar-se como escritora, fê-la chegar na sua folgada sucessão de títulos à simplificação que a resumia num Anaïs Nin agradável na música e que também soaria, num mais atento mundo de leitores, como Ana is (é) NIN, «a Ana é NIN», ou seja, marcada pelo I eu entalado entre idênticos e inter-negativos opostos — entendam-se aqui o sexo, os desejos e a vida. […]
Aos trinta e três anos de idade, Anaïs ainda não era autora publicada de nenhum dos seus romances; o seu nome nas letras podia apenas reivindicar a autoria de um ensaio sobre Lawrence e de um poema em prosa, Casa de Incesto, que parecia dever tudo aos franceses do surrealismo. Diz-nos o seu Diário: umas trinta páginas de prosa poética, escrita de uma forma totalmente imaginativa, uma explosão lírica. […]
Stuart Gilbert, o erudito inglês, o imbatível tradutor da prosa de Cocteau para a sua língua, foi entre todos o mais expressivo e o que mais alegria deu a Anaïs Nin: «É evidente que o autor de Casa de Incesto teria, numa época mais recuada, terminado a sua carreira na fogueira — na boa companhia, seria inútil dizê-lo, de Joana d’Arc. Porque há qualquer coisa de inquietante na sua clarividência. É como se ela tivesse bebido uma poção ou descoberto um sortilégio que lhe desse acesso a esse mundo subterrâneo que à entrada tem escrito este aviso: “Vós, que aqui entrais, abandonai toda a consciência!» É preciso coragem para alguém se lançar nesta busca, e além de coragem, perspicácia e um delicado sentido de equilíbrio e o abandono de si. Todas estas qualidades, e com elas uma habilidade pouco comum a manejar as palavras e os ritmos, são evidentes na obra de Anaïs Nin.» Aníbal Fernandes


A Dificuldade de Ser
«Em 1947 A Dificuldade de Ser tinha surgido como seu auto-retrato íntimo, espalhado por trinta e um textos de títulos à moralista clássico e a lembrarem-se de uma frase de Fontenelle no leito de morte: «Sinto uma dificuldade de ser.»
André Fraigneau (num dia de diálogos): Por que escreveu A Dificuldade de Ser?
Cocteau: O impudor é o meu heroísmo; lavo a roupa suja em público. Além disso, eu podia trabalhar ali o estilo que me agrada: Montaigne, Stendhal, o Código de Napoleão, o Hugo das Choses vues e Balzac que escreve muito bem, desculpe que lho diga.
André Fraigneau: Para si, Balzac escreve bem?
Cocteau: Ah, sim! Ele diz o que quer dizer. O estilo é isso. O mau estilo é Flaubert, o das pessoas que fazem poses. Devemos procurar ser exactos como os algarismos e, custe o que custar, dizer o que queremos dizer; acertar no alvo sem as poses do atirador presunçoso. Flaubert é o atirador presunçoso.
Há no seu túmulo este aviso: Continuo convosco. E quarenta e oito anos antes tinha escrito no poema 'Discurso do Grande Sono':
Uso uma tinta que é o sangue azul de um cisne,
E sempre que é preciso ele morre para estar mais vivo.
»
Aníbal Fernandes 



O Duplo Rimbaud
«Em 15 de Abril de 1906 surgiu na revista Mercure de France o seu texto O Duplo Rimbaud. Em cada um de nós, dirá Segalen, e para cada uma das nossas formas de pensar, de querer e sentir, existe um irredutível e não utilizável covil que não podemos, com complacência ou à força, com ódio ou amor, entreabrir aos outros. Estaremos perante um labirinto onde os leitores não encontram nenhuma saída? Segalen faz-nos crer que Rimbaud fala sempre de si próprio, com uma chave que só ele sabe utilizar; que os seus poemas são imaginadas memórias das coisas e dos dias da sua infância, e só ele os compreende na sua integralidade. Depois desta análise passa ao segundo Rimbaud, o de uma curiosa e intensa fobia; o que tem horror à poesia, di-lo a sua irmã categórica e, por decisão, detentora de uma única e irrecusável verdade.»
Aníbal Fernandes

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